Escutei um ruído, como se ele estivesse sacudindo o homem agonizante, e eu só podia ficar quieto no meu esconderijo.
– Você tem de me ouvir! – continuou ele. – Você vai me ouvir! Você se lembra de uma caixinha... uma caixinha de marfim? Veio no correio de quarta-feira. Você a abriu, lembra-se?
– Sim... sim, eu a abri. Havia uma agulha movida por mola... alguma brincadeira...
– Não era nenhuma brincadeira, como vai descobrir à própria custa. Idiota, você procurou e achou! Quem lhe pediu para ficar no meu caminho? Se me tivesse deixado em paz, eu não o prejudicaria.
– Eu me lembro – Holmes sussurrou. – A mola! Tirou sangue. Aquela caixinha... aquela caixinha na mesa...
– Esta mesmo, é claro! E vou levá-la comigo, no meu bolso, quando sair. Lá se vai sua última possibilidade de prova. Mas você acabou de ouvir a verdade agora, Holmes, e pode morrer com a certeza de que eu o matei. Você sabia demais a respeito do destino de Victor Savage; de modo que resolvi que você devia ter o mesmo destino. Você está no fim, Holmes. Vou me sentar aqui e vê-lo morrer.
A voz de Sherlock Holmes tinha se transformado num murmúrio quase inaudível.
– Como? – perguntou Culverton Smith. – Aumentar a luz do gás? Ah, as sombras começam a cair, não é? Sim, eu vou aumentá-la para poder vê-lo melhor.
Ele atravessou o quarto e a luz brilhou de repente.
– Mais alguma coisinha que eu possa fazer, amigo?
– Fósforo e cigarro.
Quase gritei de alegria e espanto. Ele estava falando com sua voz normal – um pouco fraca, talvez, mas aquela voz que eu conhecia. Houve um longo silêncio e eu senti que Culverton Smith estava parado, em silêncio, olhando espantado para o meu amigo.
– O que significa isso?... – eu o ouvi perguntar finalmente, num tom seco e áspero.
– A melhor maneira de se representar com sucesso é identificar-se com o papel – respondeu Holmes. – Dou-lhe minha palavra de que nos últimos três dias não toquei em comida nem em bebida até que você teve a bondade de me dar aquele copo d’água. Mas eu senti mais falta foi do fumo. Ah, aqui estão alguns cigarros!...
Ouvi quando ele riscou um fósforo.
– Assim é muito melhor. Ora, ora, estarei escutando os passos de um amigo?
De fato, ouvi passos do lado de fora, a porta foi aberta e apareceu o inspetor Morton.
– Está tudo bem e este é o seu homem – disse Sherlock Holmes.
O policial fez as advertências habituais e concluiu:
– Eu o prendo pelo assassinato de Victor Savage.
– E pode acrescentar a tentativa de assassinato de Sherlock Holmes – comentou meu amigo com um risinho. – Para poupar trabalho a um inválido, o sr. Culverton teve a bondade de fazer o nosso sinal, inspetor, aumentando a luz do gás. A propósito, o seu prisioneiro tem uma caixinha no bolso direito do paletó que seria melhor retirar. Se eu fosse você, teria mais cuidado ao mexer nela. Ponha-a aqui. Vai ser muito importante no julgamento.
Ouvi uma corrida repentina e barulho de luta, e em seguida um tilintar de metais e um grito de dor.
– Vai apenas se machucar – disse o inspetor. – Fique quieto, está bem?
Escutei o ruído de algemas se fechando.
– Uma bela armadilha! – gritou o prisioneiro num tom estridente e ríspido. – Isso levará você à cadeia, Holmes, e não eu. Ele me pediu para vir aqui curá-lo. Senti pena e vim. Agora, sem dúvida vai alegar que eu disse alguma coisa que pode inventar, e que vai confirmar suas suspeitas doentias. Pode mentir à vontade, Holmes. Minha palavra sempre vai valer tanto quanto a sua.
– Meu Deus! – exclamou Holmes. – Esqueci-me totalmente dele! Meu caro Watson, devo-lhe mil desculpas. E pensar que eu me esqueci de você! Não é necessário que eu o apresente ao sr. Culverton Smith, porque eu sei que se conheceram há pouco. O carro está lá embaixo? Vou acompanhá-lo, inspetor, depois de me vestir, porque posso ser útil na delegacia.
– Nunca precisei tanto disso – disse Holmes, se reabastecendo com um copo de vinho e bolachas enquanto tirava a maquiagem. – Você bem sabe como meus hábitos são irregulares, e fazer o que fiz foi bem mais fácil para mim do que para a maioria das pessoas. Era indispensável que a sra. Hudson ficasse impressionada com o meu estado, já que ela transmitiria a impressão a você, e você a transmitiria a Culverton Smith. Você não vai ficar zangado, não é, Watson? Você vai perceber que, entre os seus muitos talentos, não há lugar para a dissimulação, e que, se soubesse do meu segredo, não conseguiria convencer o sr. Smith da necessidade imperiosa de sua presença, ponto vital de todo o esquema. Conhecendo a natureza vingativa dele, eu tinha certeza de que ele viria conferir o seu próprio trabalho...
– Mas, e sua aparência, Holmes, seu rosto cadavérico?...