O incidente deixou em mim uma impressão extremamente desagradável. A excitação, violenta e injustificada, seguida pela brutalidade das palavras, normalmente gentis, tudo me demonstrou sua profunda desorganização mental. De todas as desgraças, a ruína de um cérebro privilegiado é a mais deplorável. Fiquei sentado, numa silenciosa mortificação, até chegar a hora marcada.
Ele parecia ter ficado de olho no relógio, como eu, porque eram quase 18 horas quando começou a falar com a mesma animação febril de antes.
– Agora, Watson – disse. – Tem dinheiro trocado?
– Tenho.
– Moedas?
– Bastante.
– Quantas meias-coroas?
– Cinco.
– Oh, muito pouco! Muito pouco! Que azar, Watson! Mas você pode colocá-las no bolsinho do relógio. Ponha o resto do seu dinheiro no bolso da calça. Obrigado. Isso vai ajudá-lo a manter seu equilíbrio.
Estava delirando! Estremeceu e novamente fez um som meio tosse, meio soluço.
– Acenda o bico de gás, Watson, mas tenha todo o cuidado para que ele não passe, nem por um momento, da metade de sua potência. Excelente. Não, não precisa fechar as cortinas. Agora, por favor, ponha algumas cartas e jornais nesta mesa, aqui perto. Obrigado. Agora, um pouco do material do consolo da lareira. Excelente, Watson. Ali está uma pinça para os tabletes de açúcar. Pegue com ela a caixinha de marfim. Coloque aqui entre os jornais. Está ótimo! Agora pode ir e trazer o sr. Culverton Smith, que mora em Lower Burke Street, no 13.
Para dizer a verdade, minha vontade de ir buscar um médico tinha diminuído, porque o pobre Holmes estava delirando e me pareceu perigoso deixá-lo sozinho. Entretanto, agora ele estava tão ansioso para consultar aquela pessoa como estivera obstinado em não aceitar antes.
– Nunca ouvi falar neste nome – eu disse.
– Possivelmente não, meu bom Watson. Talvez fique surpreso ao saber que o homem que mais entende dessa doença no mundo não é um médico, mas um agricultor. O sr. Culverton Smith é um conhecido fazendeiro residente em Sumatra, agora em visita a Londres. Um surto desta moléstia em sua plantação, distante de qualquer assistência médica, obrigou-o a estudá-la profundamente, com resultados impressionantes. É uma pessoa muito metódica e eu não queria que você fosse buscá-lo antes das seis horas porque sei que não o encontraria em casa. Se você puder convencê-lo a vir aqui, com sua excepcional experiência da doença – assunto que se tornou seu passatempo predileto –, tenho certeza de que ele poderá me ajudar.
Transcrevo as palavras de Holmes sem quebrar a seqüência, não mostrando como eram interrompidas pela falta de ar, e as mãos crispadas que indicavam a dor que estava sofrendo. A aparência dele havia piorado nas poucas horas em que eu estivera ali no quarto. As manchas vermelhas no rosto estavam maiores, os olhos mais brilhantes nas cavidades ainda mais escuras e um suor frio surgira na testa. Mas ainda mantinha o tom imperioso ao falar. Até o último suspiro ele seria sempre o mestre.
– Conte-lhe exatamente como me deixou. Transmita a impressão que você tem de mim... um homem agonizante... em delírios... Para falar a verdade, não consigo entender por que o leito do mar não é uma massa sólida feita de ostras, já que elas parecem proliferar tanto. Oh, estou delirando de novo... É estranho como o cérebro controla o cérebro! O que eu estava dizendo, Watson?
– Instruções para minha conversa com o sr. Culverton Smith.
– Ah, sim, eu me lembro agora. Minha vida depende disso. Insista com ele, Watson. Não estamos em boas relações. Seu sobrinho... eu desconfiei de algo irregular... e fiz com que ele visse isso. O rapaz teve uma morte horrível. Ele tem mágoa de mim. Você vai convencê-lo, Watson. Implore, suplique, traga-o aqui de qualquer maneira. Ele pode me salvar – só ele!
– Eu o trarei num carro, mesmo que tenha de arrastá-lo!
– Nem pense em fazer uma coisa assim! Você tem de convencê-lo a vir. E volte sozinho, antes dele. Dê uma desculpa qualquer, mas não venha com ele. Não se esqueça, Watson. Não me decepcione. Você nunca me falhou antes. Não há dúvida de que existem inimigos naturais que limitam o aumento das criaturas. Você e eu, Watson, fizemos a nossa parte. O mundo deve, então, ser invadido por ostras? Não, não, é horrível! Você vai transmitir tudo o que está na sua mente!
Deixei-o e saí com a imagem de um intelecto magnífico tagarelando como uma criança retardada. Levei a chave, com medo de ele se trancar no quarto. A sra. Hudson, trêmula e chorosa, me aguardava no corredor. Quando passei por ela, ainda ouvi a voz aguda e penetrante de Holmes numa cantoria delirante. Na rua, enquanto chamava um carro, um homem aproximou-se de mim em meio à neblina.
– Como está o sr. Holmes? – perguntou.
Era um velho conhecido, o inspetor Morton, da Scotland Yard.
– Ele está muito doente – respondi.
Ele me fitou de um modo estranho. Se não fosse perverso demais, eu diria ter visto em seu rosto, à luz do lampião, uma espécie de alegria...
– Ouvi falar – ele comentou.