– Sim, era isso. O sr. Hugo Oberstein, residente em Caulfield Gardens, 13, passou a ser o meu alvo. Comecei minhas operações na Gloucester Road Station, onde um funcionário prestativo me acompanhou numa caminhada ao longo da linha, e eu matei minha curiosidade não apenas a respeito das janelas traseiras de Caulfield Gardens, que dão para os trilhos, mas até sobre o fato mais essencial de que, devido à interseção de um dos principais ramais, os trens ficam freqüentemente parados ali, naquele local exato, durante alguns minutos.
– Esplêndido, Holmes! Você descobriu tudo!
– Nem tanto, Watson, nem tanto. Progredimos, mas o fim ainda está longe. Bem, depois de verificar as janelas traseiras de Caulfield Gardens, vi a parte da frente e confirmei que, de fato, o passarinho tinha voado da gaiola. Trata-se de uma casa grande e, pelo que pude ver, sem mobília nos quartos superiores. Oberstein morava lá apenas com um criado, possivelmente um cúmplice de absoluta confiança. Temos de nos lembrar de que Oberstein foi para o Continente negociar seu tesouro, mas sem desconfiar que se sabe que está fugindo; assim sendo, ele não tem motivo para temer um mandado de prisão, e a idéia de uma visita de um amador em sua casa não lhe ocorreria. E é justamente isso o que vamos fazer.
– Não conseguiríamos um mandado para uma busca legal?
– Dificilmente, pela exigüidade de provas.
– Então, o que podemos fazer?
– Precisamos saber que tipo de correspondência ele tem em casa...
– Não estou gostando disso, Holmes.
– Meu caro amigo, você deve ficar vigiando a rua. Eu farei o trabalho sujo. Não é hora de escrúpulos. Pense no bilhete de Mycroft, no Almirantado, no Gabinete, nas pessoas importantes que aguardam notícias. Temos de agir!
Minha resposta foi levantar-me da mesa.
– Tem razão, Holmes. Temos de agir!
Ele também se levantou e apertou minha mão.
– Eu sabia que você não iria se acovardar no fim – disse, e por um segundo vi nos olhos dele algo que se assemelhava a ternura, que nunca vira antes. Mas logo em seguida ele voltou a ser o mesmo homem prático e racional.
– Fica a uns 800 metros daqui, mas não temos pressa. Vamos andando. Não deixe as ferramentas caírem, por favor. Seria uma complicação bastante desagradável se você fosse preso como um sujeito suspeito.
Caulfield Gardens era uma dessas filas de casas, com fachadas lisas, pilares e pórticos, produtos característicos de meados da época vitoriana no West End de Londres. Na casa seguinte à que procurávamos parecia estar havendo uma festa infantil, porque um alarido de vozes de crianças e o martelar de um piano ressoavam na noite. O nevoeiro ainda continuava e nos ocultava com seu manto amigo. Holmes acendeu a lanterna e iluminou a porta maciça.
– Este é um obstáculo difícil – disse. – Com certeza, além de trancada, deve ter um ferrolho. Será melhor irmos para os fundos. Há uma excelente arcada lá, caso tenhamos de nos esconder de algum policial zeloso que resolva aparecer. Ajude-me, Watson, e eu o ajudarei depois.
Um minuto depois já estávamos na área. Mal tínhamos chegado ao lugar protegido pelas sombras quando ouvimos em cima os passos de um policial, andando no meio da neblina. Quando o som cadenciado desapareceu, Holmes começou a trabalhar na porta inferior. Eu o vi curvar-se e forçar a porta até que, com um estalo seco, ela se abriu. Pulamos para o interior escuro e ele a fechou. Subimos a escada em curva, sem tapete. A luz amarela de sua lanterna brilhou nos vidros de uma janela baixa.
– Aqui estamos, Watson; deve ser esta...
Abriu a janela e nessa hora ouvimos um som baixo e áspero que foi aumentando até transformar-se num rugido alto quando um trem passou por nós, na escuridão, como uma flecha. Holmes iluminou o peitoril da janela. Havia uma camada da fuligem deixada pelos trens que passavam, mas a superfície preta estava raspada e esfregada em alguns lugares.
– Veja onde eles colocaram o corpo. Ora, Watson, o que é isto? Não há dúvida de que se trata de uma marca de sangue.
Apontava a marca desbotada no peitoril.
– Aqui também, na pedra da escada. A prova está completa. Vamos ficar aqui até que pare um trem.
Não tivemos de esperar muito tempo. O trem seguinte surgiu do túnel, como o anterior, mas diminuiu depois a velocidade e então, com os freios gemendo, parou exatamente embaixo do lugar onde estávamos. A distância da janela até o teto dos vagões não era mais do que 1,5 metro, se tanto. Holmes fechou cuidadosamente a janela.
– Fomos recompensados até aqui – disse. – O que você acha, Watson?
– Uma obra-prima. Você está se superando.
– Não concordo com você. A partir do momento em que concebi a idéia de que o corpo estava no teto de um vagão, o que, afinal, não era assim tão absurdo, todo o resto foi inevitável. Se não fossem os altos interesses envolvidos, o caso até este ponto seria insignificante. Mas ainda temos dificuldades pela frente. Talvez possamos achar algo aqui que nos ajude.