– Eu não acredito nessas bobagens.
– Mas eu acredito. Se o senhor tiver qualquer influência sobre sir Henry, afaste-o de um lugar que sempre foi fatal para a sua família. O mundo é grande. Por que ele iria querer morar num lugar perigoso?
– Porque este é o lugar perigoso. Essa é a natureza de sir Henry. Receio que se a senhorita não puder me dar uma informação mais precisa do que esta, será impossível fazê-lo se mudar.
– Eu não posso dizer nada com precisão, porque não sei nada com precisão.
– Eu lhe faria mais uma pergunta, senhorita Stapleton. Se a senhorita não quis dizer mais do que isto quando falou comigo pela primeira vez, por que a senhorita não queria que o seu irmão ouvisse o que disse? Não há nada a que ele, ou qualquer outra pessoa, possa objetar.
– Meu irmão está muito ansioso para que a Mansão seja habitada, porque ele acha que isso é bom para as pessoas pobres do pântano. Ele ficaria com muita raiva se soubesse que eu disse alguma coisa que pudesse induzir sir Henry a ir embora. Mas cumpri o meu dever agora e não direi mais nada. Preciso voltar ou ele dará pela minha falta e desconfiará que falei com o senhor. Adeus! – Ela virou-se, e em poucos minutos havia desaparecido por entre as rochas espalhadas, enquanto eu, com minha alma cheia de vagos receios, segui meu caminho para a Mansão Baskerville.
A partir deste ponto, seguirei o curso dos acontecimentos transcrevendo minhas próprias cartas para o sr. Sherlock Holmes que estão diante de mim, sobre a mesa. Falta uma página, mas as outras estão exatamente como foram escritas, e revelam os meus sentimentos e suspeitas naquele momento de modo mais preciso do que a minha memória pode fazer, embora seja nítida a respeito destes trágicos acontecimentos.
primeiro relatório do dr. watson
Mansão Baskerville, 13 de outubro
Meu caro Holmes:
Minhas cartas e telegramas anteriores mantiveram-no bastante bem informado a respeito de tudo que tem ocorrido neste canto do mundo esquecido por Deus. Quanto mais tempo se fica aqui, mais o espírito do pântano impregna a alma da gente com a sua vastidão e também com o seu encanto sombrio. Quando se está sobre o seu seio, deixam-se todos os vestígios da Inglaterra moderna para trás, mas, por outro lado, toma-se consciência em toda parte das casas e do trabalho do povo pré-histórico. Por todos os lados, enquanto se anda, a gente vê as casas destas pessoas esquecidas, com seus túmulos e enormes monolitos que se supõe terem marcado seus templos. Quando olhamos para suas cabanas de pedra cinzenta contra as encostas
cortadas das colinas, deixamos nossa própria época para trás, e se virmos um homem vestido de peles e peludo engatinhar para fora da sua porta baixa, pondo uma flecha com ponta de sílex na corda do seu arco, acharemos que sua presença ali é mais natural do que a nossa própria. O estranho é que eles tenham vivido tão concentrados no lugar que deve sempre ter sido um solo muito estéril. Não sou nenhum arqueólogo, mas posso imaginar que eles constituíam uma raça esbulhada e avessa às guerras que foi obrigada a aceitar aquilo que nenhuma outra ocuparia.
Mas tudo isto não tem relação com a missão para a qual você me mandou e provavelmente será muito pouco interessante para a sua mente extremamente prática. Ainda me lembro da sua completa indiferença quanto a saber se o sol girava em torno da Terra ou a Terra em torno do sol. Portanto, vou voltar aos fatos relativos a sir Henry Baskerville.
Se você não recebeu nenhum relatório nos últimos dias é porque até hoje não havia nada de importante a comunicar. Então ocorreu um fato bastante surpreendente, que contarei a você no devido tempo. Mas, antes de tudo, é preciso que você conheça alguns dos outros fatores da situação.
Um destes, em relação ao qual pouco falei, é o condenado fugido no pântano. Há um motivo forte agora para crer que ele foi embora, o que é um grande alívio para os chefes de família desta região. Passou-se uma quinzena desde a sua fuga, durante a qual ele não foi visto e nada se ouviu falar sobre ele. É inconcebível que ele possa ter ficado no pântano durante todo esse tempo. Naturalmente, no que diz respeito ao seu esconderijo, não há nenhuma dificuldade. Qualquer uma destas cabanas de pedra lhe proporcionaria um lugar conveniente. Mas não há nada para comer, a menos que ele pegasse e matasse uma das ovelhas do pântano. Achamos, portanto, que ele foi embora, e os fazendeiros isolados dormem melhor por causa disso.