A sra. Barrymore interessa-me. Ela é uma pessoa corpulenta e maciça, bastante limitada, muito respeitável e com tendência ao puritanismo. Você dificilmente poderia imaginar uma pessoa menos emotiva. Mas eu contei a você que, na primeira noite aqui, eu a ouvi soluçando amargamente e, desde então, mais de uma vez percebi vestígios de lágrimas em seu rosto. Alguma mágoa profunda está sempre consumindo o seu coração. Às vezes eu me pergunto se ela tem uma lembrança de culpa que a persegue, e outras desconfio que Barrymore é um tirano doméstico. Sempre achei que havia alguma coisa singular e suspeita no caráter deste homem, mas a aventura da última noite intensificou todas as minhas desconfianças.
Mesmo assim, isso pode parecer, em si mesma, uma questão secundária. Você sabe que eu não tenho um sono muito profundo, e desde que estou de guarda nesta casa meus cochilos têm sido mais leves do que nunca. Na noite passada, por volta das duas horas, fui despertado por passos furtivos diante do meu quarto. Levantei-me, abri a porta e olhei para fora. Uma sombra negra comprida estava se arrastando pelo corredor. Ela era projetada por um homem que caminhava de mansinho pelo corredor com uma vela na mão. Ele estava de calça e camisa, sem nada nos pés. Pude ver apenas a silhueta, mas sua altura me revelou que era Barrymore. Ele caminhava muito devagar e de modo circunspecto, e havia alguma coisa indescritivelmente culpada e furtiva em toda a sua aparência.
Eu disse a você que o corredor é interrompido pelo balcão que contorna o vestíbulo, mas que continua do lado oposto. Esperei até que ele tivesse desaparecido e depois o segui. Quando cheguei ao balcão, ele havia atingido a extremidade do outro corredor, e pude ver pelo brilho da luz através de uma porta aberta que ele entrara num dos quartos. Mas todos esses quartos estão sem mobília e desocupados, de modo que a expedição dele tornou-se mais misteriosa do que nunca. A luz brilhava firmemente como se ele estivesse parado, imóvel. Segui furtivamente pelo corredor o mais silenciosamente possível e olhei pelo canto da porta.
Barrymore estava agachado junto à janela com a vela erguida contra o vidro. Seu perfil estava meio virado para mim, e sua fisionomia parecia rígida de expectativa enquanto olhava para a escuridão do pântano. Ele ficou parado observando atentamente durante alguns minutos. Depois soltou um gemido profundo e com um gesto impaciente apagou a luz. Voltei imediatamente para o meu quarto, e pouco depois ouvi os passos furtivos mais uma vez, agora voltando. Muito tempo depois, quando eu havia caído num sono leve, ouvi uma chave girar em alguma parte numa fechadura, mas não consigo dizer de onde vinha o som. O que tudo isso significa não posso imaginar, mas há algum negócio secreto acontecendo nesta casa de sombras, ao fundo do qual chegaremos mais cedo ou mais tarde. Não o perturbo com as minhas teorias, porque você me pediu para fornecer-lhe apenas os fatos. Tive uma longa conversa com sir Henry esta manhã, e fizemos um plano de campanha baseado nas minhas observações de ontem à noite. Não falarei sobre ele agora, mas ele deve tornar o meu próximo relatório uma leitura interessante.
segundo relatório do dr. watson
Mansão Baskerville, 15 de outubro
Meu caro Holmes:
Se fui obrigado a deixá-lo sem muitas notícias durante os primeiros dias da minha missão, você deve reconhecer que estou recuperando o tempo perdido, e que os acontecimentos estão agora se acumulando em grande quantidade e rapidamente sobre nós. Em meu último relatório, terminei minha nota principal com Barrymore na janela, e agora já tenho um estoque que, a menos que eu esteja muito enganado, irá surpreendê-lo bastante. As coisas tomaram um rumo que eu não poderia ter previsto. Em alguns aspectos elas ficaram muito mais claras nas últimas 48 horas, e em outros se tornaram mais complicadas. Mas vou contar-lhe tudo e você julgará por si mesmo.
Antes do café, na manhã seguinte à minha aventura, atravessei o corredor e examinei o quarto em que Barrymore tinha estado na noite anterior. A janela para oeste, pela qual ele ficara olhando tão atentamente, tem, eu notei, uma peculiaridade que as outras janelas da casa não têm, ela domina a vista mais próxima do pântano. Há uma abertura entre duas árvores que permite a alguém, deste ponto de observação, olhar diretamente para ela, enquanto que de todas as outras janelas só se pode ter uma visão distante. Portanto, Barrymore, já que só esta janela era adequada ao seu objetivo, devia estar procurando alguma coisa ou alguém no pântano.