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Ser imoral não vale a pena, porque diminui, aos olhos dos outros, a vossa personalidade, ou a banaliza. Ser imoral dentro de si, cercada do máximo respeito alheio. Ser esposa e mãe corporeamente virginal e dedicada, e ter, porém, contactos carnais inexplicáveis com todos os homens da vizinhança, desde os merceeiros até aos — eis o que maior sabor tem a quem realmente quer gozar e alargar a sua individualidade, sem descer ao método da criada de servir, que, por ser também delas, é baixo, nem cair na honestidade rigorosa da mulher profundamente estúpida, que é decerto filha do interesse.

Segundo a vossa superioridade, almas femininas que me ledes, sabereis compreender o que escrevo. Todo o prazer é do cérebro, todos os crimes, que se dão, é só em sonhos que se cometem! Lembro-me de um crime belo, real. Não o houve nunca. São belos os que nós não conhecemos. Bórgia cometeu belos crimes? Acreditai-me que não cometeu. Quem os cometeu belíssimos, profusos, frutuosos, foi o nosso sonho de Bórgia, foi a ideia de Bórgia que há em nós. Tenho a certeza que o César Bórgia que existiu era um banal e um estúpido, tinha de o ser porque existir é sempre estúpido e banal.

Dou-vos estes conselhos desinteressadamente, aplicando o meu método a um caso que me não interessa. Pessoalmente, os meus sonhos são de império e glória; não são sensuais de modo algum. Mas quero ser-vos útil, ainda que mais não seja, só para me arreliar, porque detesto o útil. Sou altruísta ao meu modo.

***

Proponho-me ensinar-lhes como trair o seu marido em imaginação.

Acreditem-me: só as criaturas ordinárias traem o marido realmente. O pudor é uma condição sine qua non de prazer sexual. O entregar-se a mais de um homem mata o pudor.

Concedo que a inferioridade feminina precisa de macho. Acho que, ao menos, se deve limitar a um macho só, dele, se disso precisar, centro de um círculo, de raio crescente, de machos imaginados.

A melhor ocasião para fazer isso é nos dias que antecedem os da menstruação.

Assim:

Imaginam o seu marido mais branco de corpo. Se imaginam bem, senti-lo-ão mais branco sobre si.

Retenham todo o gesto de sensualidade excessiva. Beijem o marido que lhes estiver em cima do corpo, e mudem com a imaginação o homem num olhar — lembrem quem lhes estiver em cima da alma.

A essência do prazer é o desdobramento. Abram a porta da janela ao Felino em vós.

Como trancasse o marido. Importa que o marido às vezes se zangue.

O essencial é começar a sentir a atração pelas coisas que repugnam, não perdendo a disciplina exterior.

A maior indisciplina interior junta à máxima disciplina exterior compõe a perfeita sensualidade. Cada gesto que realiza um sonho ou um desejo, irrealiza-o realmente.

A substituição não é tão difícil como julgam. Chamo substituição à prática que consiste em imaginar-se a gozar com um homem A quando se está copulando com um homem B.

***

Minhas queridas discípulas, desejo-lhes, com um fiel cumprimento dos meus conselhos, inúmeras e desdobradas volúpias com o, não nos actos do, animal macho a que a Igreja ou o Estado as tiver atado pelo ventre e pelo apelido.

É fincando os pés no solo que a ave desprende o voo. Que esta imagem, minhas filhas, vos seja a perpétua lembrança do único mandamento espiritual.

Ser uma cocotte, cheia de todos os modos de vícios, sem trair o marido, nem sequer com um olhar — a volúpia disto, se souberdes consegui-lo.

Ser cocotte para dentro, trair o marido para dentro, está-lo traindo nos abraços que lhe dais, não ser para ele o sentido do beijo que lhe dais — oh mulheres superiores, ó minhas misteriosas Cerebrais — a volúpia é isso.

Por que não aconselho eu isto aos homens também? Porque o Homem é outra espécie de ente. Se é inferior, recomendo-lhe que use de quantas mulheres puder: faça isso e sirva-se do meu desprezo quando. E o homem superior não tem necessidade de nenhuma mulher. Não precisa de posse sexual para a sua volúpia. Ora a mulher, mesmo superior, não aceita isto: a mulher é essencialmente sexual.

Declaração de Diferença

As coisas do estado e da cidade não têm mão sobre nós. Nada nos importa que os ministros e os áulicos façam falsa gerência das coisas da nação. Tudo isso se passa lá fora, como a lama nos dias de chuva. Nada temos com isso, que tenha que ver ao mesmo tempo connosco.

Semelhantemente nos não interessam as grandes convulsões, como a guerra e as crises dos países. Enquanto não entram por nossa casa, nada nos importa a que portas batam. Isto, que parece que se apoia num grande desprezo pelos outros, realmente tem apenas por base o nosso apreço cético por nós próprios.

Não somos bondosos nem caritativos — não porque sejamos o contrário, mas porque não somos nem uma coisa, nem a outra. A bondade é a delicadeza das almas grosseiras. Tem para nós o interesse de um episódio passado em outras almas, e com outras formas de pensar. Observamos, e nem aprovamos, nem deixamos de aprovar. O nosso mister é não ser nada.

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