Tinham treinado juntos todas as manhãs, desde que tiveram idade suficiente para andar; Snow e Stark, rodopiando e golpeando-se pelos pátios de Winterfell, gritando e rindo, e às vezes chorando quando ninguém estava vendo. Quando lutavam não eram garotinhos, e sim cavaleiros e poderosos heróis. “Eu sou o Príncipe Aemon, o Cavaleiro do Dragão”, gritava Jon, e Robb gritava em resposta: “Bem, eu sou Florian, o Bobo”. Ou então Robb dizia: “Eu sou o Jovem Dragão”, e Jon respondia: “Eu sou Sor Ryam Redwyne”.
Naquela manhã tinha sido ele quem gritou primeiro.
– Eu sou o Senhor de Winterfell – gritou, como gritara cem vezes antes. Mas daquela vez,
– Você não pode ser Senhor de Winterfell, é um bastardo. A senhora minha mãe diz que nunca poderá ser Senhor de Winterfell.
No fim, Halder e Cavalo tiveram de afastá-lo de Emmett de Ferro, cada um dos homens segurando um de seus braços. O patrulheiro estava sentado no chão, atordoado, com o escudo meio feito em lascas, a viseira do elmo torta, e a espada a seis metros de distância.
– Jon, basta – Halder estava gritando –, ele caiu, você desarmou-o.
– Desculpe – murmurou. – Emmett, está ferido?
Emmett de Ferro tirou seu elmo amassado.
– Houve alguma parte de
Aquilo foi demais. Jon libertou-se dos amigos e se retirou para o arsenal, sozinho. Ainda tinha os ouvidos ressoando do golpe que Emmett lhe dera. Sentou-se no banco e afundou a cabeça nas mãos.
Mas não foi o rosto de Lorde Eddard que viu flutuando na sua frente; foi o da Senhora Catelyn. Com os seus profundos olhos azuis e a boca dura e fria, parecia-se um pouco com Stannis.
Os amigos ainda estavam no pátio de treinos, mas Jon não se encontrava em estado de encará-los. Saiu do arsenal pelos fundos, descendo uma íngreme escada de pedra até os caminhos de minhoca, os túneis subterrâneos que ligavam as fortalezas e as torres do castelo. Foi uma caminhada curta até a casa de banhos, onde deu um mergulho frio para lavar o suor do corpo e depois se enfiou numa quente banheira de pedra. O calor levou um pouco da dor dos músculos e fez Jon pensar nas lagoas lamacentas de Winterfell, que fumegavam e borbulhavam no bosque sagrado.
“Você não pode ser Senhor de Winterfell, é um bastardo”, ouviu de novo Robb dizer. E os reis de pedra rosnavam para ele com línguas de granito. “Não pertence a Winterfell. Este não é o seu lugar.” Quando Jon fechou os olhos, viu a árvore-coração, com seus ramos claros, folhas vermelhas e rosto solene. Lorde Eddard sempre dizia que o represeiro era o coração de Winterfell... mas para salvar o castelo, Jon teria de arrancar esse coração até suas antigas raízes e entregá-lo ao faminto deus de fogo da mulher vermelha.
O som de vozes ecoando no teto abobadado trouxe-o de volta a Castelo Negro.
– Não sei – um homem estava dizendo, numa voz pesada de dúvidas. – Talvez se conhecesse melhor o homem... Lorde Stannis não tinha nada de muito bom a dizer dele, digo-lhe isso.
– Quando Stannis Baratheon teve muitas coisas boas a dizer de alguém? – voz pétrea de Sor Alliser era inconfundível. – Se permitirmos que Stannis escolha nosso Senhor Comandante, transformamo-nos em seus vassalos em tudo menos no nome. Não é provável que Tywin Lannister se esqueça disso, e você sabe que será Lorde Tywin quem vai ganhar no fim. Já derrotou Stannis uma vez, na Água Negra.
– Lorde Tywin é favorável a Slynt – disse Bowen Marsh, numa voz inquieta e ansiosa. – Posso lhe mostrar a carta dele, Othell. Chamou Slynt de “o nosso fiel amigo e servidor”.