Mas nem tudo que via era bélico. Vislumbrou também mulheres dançando, e ouviu um bebê chorando, e um garotinho passou correndo diante de seu garrano, todo enrolado em peles e sem fôlego, por causa da brincadeira. Ovelhas e cabras vagueavam livremente, enquanto bois percorriam a margem do rio em busca de pasto. Cheiro de carneiro assado pairava no ar, vindo de uma das fogueiras, e em outra viu um javali sendo girado em um espeto de madeira.
Num espaço aberto rodeado por grandes pinheiros marciais, Camisa de Chocalho desmontou.
– Acampamos aqui – disse a Lenyl, Ragwyle e os outros. – Deem de comer aos cavalos, depois aos cães, depois a vocês. Ygritte, Lança-Longa, tragam o corvo para que Mance possa dar uma olhada nele. Vamos estripá-lo depois.
Seguiram a pé o resto do caminho, passando por mais fogueiras e tendas, com Fantasma seguindo de perto. Jon nunca tinha visto tantos selvagens. Perguntou a si mesmo se alguém já teria.
Não havia como não saber qual das tendas pertencia ao rei. Era três vezes maior do que a segunda maior tenda que vira, e ouvia-se música vinda lá de dentro. Tal como muitas das tendas menores, aquela era feita de peles cosidas ainda com pelo, mas as de Mance Rayder eram as hirsutas peles brancas dos ursos das neves. Um enorme par de chifres de um dos alces gigantes que outrora vagueavam livremente pelos Sete Reinos, nos tempos dos Primeiros Homens, coroava a cobertura pontiaguda.
Pelo menos ali encontrou defensores; dois guardas junto à abertura da tenda, apoiados em grandes lanças e com escudos redondos feitos de couro. Quando viram Fantasma, um deles baixou a lança e disse:
– Esse animal fica aqui.
– Fantasma, fique – ordenou Jon. O lobo gigante sentou-se.
– Lança-Longa, vigie o lobo. – Camisa de Chocalho puxou a aba da tenda e, com um gesto, ordenou que Jon e Ygritte entrassem.
A tenda estava quente e fumacenta. Nos quatro cantos havia cestos de turfa queimando, enchendo o ar com uma tênue luz avermelhada. Mais peles atapetavam o chão. Jon sentiu-se absolutamente só ali, em pé, vestido de negro, esperando a atenção do vira-casaca que se autodenominava Rei-para-lá-da-Muralha. Depois de seus olhos se ajustarem à luz vermelha e esfumaçada, viu seis pessoas, nenhuma das quais prestou qualquer atenção nele. Um jovem escuro e uma loura bonita dividiam um corno de hidromel. Uma mulher grávida estava em pé junto a um braseiro, cozinhando algumas galinhas, enquanto um homem grisalho com um esfarrapado manto preto e vermelho estava sentado numa almofada, de pernas cruzadas, tocando um alaúde e cantando:
A mulher do dornês era bela como o sol
e seus beijos, quentes como a primavera.
Mas a espada do dornês era feita de aço negro
e o seu beijo, a mordida de uma fera.
Jon conhecia a canção, embora fosse estranho ouvi-la ali, numa tenda de peles felpudas para lá da Muralha, a dez mil léguas das montanhas vermelhas e dos ventos quentes de Dorne.
Camisa de Chocalho tirou seu elmo amarelado enquanto esperava que a canção chegasse ao fim. Sob sua armadura de osso e couro era um homem pequeno, e o rosto por baixo do crânio de gigante era simples, com um queixo nodoso, um bigode fino e bochechas pálidas e descarnadas. Os olhos eram bem próximos um do outro, com sobrancelhas que cruzavam toda a testa, e os cabelos escuros rareavam, recuando nas têmporas.
A mulher do dornês cantava no banho,
numa voz que era pêssego doce.
Mas a espada do dornês tinha a sua canção,
e mordia como se sanguessuga fosse.