– Muito bem! Sim, essa foi a primeira vez. Você era só um garoto e eu estava todo de preto, fazia parte de uma dúzia que escoltou o velho Senhor Comandante Qorgyle quando ele desceu até Winterfell para um encontro com o seu pai. Eu percorria a muralha em volta do pátio quando me deparei com você e seu irmão Robb. Nevara na noite anterior, e vocês tinham feito uma grande montanha por cima do portão e estavam esperando que alguém passasse por baixo.
– Eu me lembro – disse Jon, surpreso, com uma gargalhada. Um jovem irmão negro no adarve, sim. – Jurou não contar.
– E mantive meu voto. Pelo menos esse.
– Despejamos a neve em cima do Gordo Tom. Ele era o guarda mais lento do pai. – Tom perseguira-os depois, em volta do pátio, até os três ficarem vermelhos como maçãs de outono. – Mas disse que me viu duas vezes. Quando foi a segunda?
– Quando o Rei Robert veio a Winterfell para fazer de seu pai Mão – disse com malícia o Rei-para-lá-da-Muralha.
Os olhos de Jon arregalaram-se de descrença.
– Não pode ser verdade.
– Mas foi. Quando seu pai soube que o rei vinha, mandou a notícia ao irmão Benjen, na Muralha, para que ele pudesse descer para o banquete. Há mais trocas entre os irmãos negros e o povo livre do que você imagina, e não demorou muito tempo para a notícia chegar também aos meus ouvidos. Era uma oportunidade boa demais para resistir. Seu tio não me conhecia de vista, portanto nada tinha a temer vindo daí, e não me parecia que seu pai fosse capaz de se lembrar de um jovem corvo que conhecera brevemente anos antes. Queria ver esse Robert com meus próprios olhos, de rei para rei, e também avaliar seu tio Benjen. Nessa época, ele era Primeiro Patrulheiro, e o terror de todo o meu povo. Portanto selei meu cavalo mais veloz e tomei o caminho.
– Mas – objetou Jon – a Muralha…
– A Muralha pode parar um exército, mas não um homem sozinho. Peguei um alaúde e uma bolsa de prata, escalei o gelo perto do Monte Longo, caminhei algumas léguas para o sul da Nova Dádiva e comprei um cavalo. Apesar de tudo, fui muito mais rápido do que Robert, que viajava com uma imponente e enorme casa rolante para manter a sua rainha confortável. A um dia de Winterfell, para o sul, encontrei-o e juntei-me à sua comitiva. Cavaleiros livres e pequenos cavaleiros passam a vida ligando-se a cortejos reais, na esperança de entrar para o serviço do rei, e o meu alaúde me fez conquistar uma aceitação fácil. – Mance soltou uma gargalhada. – Conheço todas as canções obscenas que já foram feitas, ao norte ou ao sul da Muralha. Então é isso. Na noite em que seu pai ofereceu o banquete a Robert, eu estava sentado num banco no fundo do seu salão, com os outros cavaleiros livres, ouvindo Orland de Vilavelha tocar sua harpa e cantar cantigas sobre reis mortos sob o mar. Entreguei-me à comida e à bebida do senhor seu pai, passei os olhos pelo Regicida e pelo Duende... e tomei nota, de passagem, dos filhos de Lorde Eddard e dos lobinhos que corriam atrás deles.
– Bael, o Bardo – disse Jon, lembrando-se da história que Ygritte lhe contara nas Presas de Gelo, na noite em que quase a tinha matado.
– Bem que eu gostaria. Não negarei que a façanha de Bael inspirou a minha... mas, que me lembre, não raptei nenhuma de suas irmãs. Bael escrevia as próprias canções e viveu-as. Eu só canto as canções que homens melhores fizeram. Mais hidromel?
– Não – disse Jon. – Se tivesse sido descoberto... capturado...
– Seu pai teria cortado a minha cabeça. – O rei encolheu os ombros. – Se bem que, depois de ter comido à sua mesa, estivesse protegido pelo direito de hóspede. As leis da hospitalidade são velhas como os Primeiros Homens e sagradas como uma árvore-coração. – Fez um gesto para a mesa entre eles, para o pão partido e os ossos de galinha. – Aqui é você o hóspede, e está a salvo de ser ferido pelas minhas mãos... esta noite, pelo menos. Portanto, diga-me a verdade, Jon Snow. É um covarde que virou a casaca por medo, ou há algum outro motivo que o traga à minha tenda?
Direito de hóspede ou não, Jon Snow sabia que ali caminhava em gelo quebradiço. Um passo em falso e podia atravessá-lo para dentro de água suficientemente fria para lhe parar o coração.
– Diga-me por que virou a sua casaca, e eu direi por que virei a minha.
Mance Rayder sorriu, como Jon esperara que fizesse. O rei era claramente um homem que gostava do som da própria voz.
– Certamente já deve ter ouvido histórias sobre a minha deserção.
– Alguns dizem que foi por uma coroa. Outros, que foi por uma mulher. Outros ainda, que tem sangue de selvagem.
– Sangue de selvagem é o sangue dos Primeiros Homens, o mesmo sangue que corre nas veias dos Stark. Quanto à coroa, você vê alguma?
– Vejo uma mulher. – Olhou de relance para Dalla.
Mance pegou-a pela mão e puxou-a para junto dele.