— Você não precisa se preocupar — eu disse, sentindo vontade de segurar sua mão. — Vai dar tudo certo. Fale de caligrafia. Fale de dança. Fale de coisas que você sabe.
— Se fizer isso, jamais descobrirei o que não sei.
Quando estiver ali, preciso deixar que minha mente fique quieta, e meu coração comece a falar. Mas é a primeira vez que faço isso, e estou com medo.
— Gostaria que fosse com você?
Ela aceitou na hora. Chegamos ao restaurante, pedimos vinho, e começamos a beber. Eu, porque precisava criar coragem para dizer o que achava que estava sentindo, embora me parecesse absurdo amar alguém que não conhecia direito. Ela, porque estava com medo de dizer o que não sabia.
No segundo copo, percebi que seus nervos estavam à flor da pele. Tentei segurar sua mão, mas ela a retirou delicadamente.
— Não posso ter medo.
— Claro que pode, Athena. Muitas vezes sinto medo. E
mesmo assim, quando preciso, sigo adiante, e enfrento tudo.
Vi que os meus nervos também estavam à flor da pele.
Enchi nossas taças de novo — o garçom toda hora vinha perguntar pela comida, e eu dizia que mais tarde iríamos escolher.
Conversava compulsivamente sobre qualquer assunto que me viesse à cabeça, Athena escutava com educação, mas parecia estar longe, em um universo escuro, cheio de fantasmas. Em determinado momento contou de novo sobre a mulher na Escócia, e o que ela havia dito. Perguntei se fazia sentido ensinar o que não se sabe.
— Alguém lhe ensinou a amar alguma vez? — foi sua resposta.
Será que ela estava lendo meus pensamentos?
— E mesmo assim, como qualquer ser humano, você é capaz disso. Como aprendeu? Não aprendeu: acredita. Acredita, e portanto ama.
— Athena...
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Vacilei, mas consegui terminar a frase, embora minha intenção fosse dizer algo diferente.
— ... talvez seja hora de pedir a comida.
Me dei conta que ainda não estava preparado para falar de coisas que perturbavam meu mundo. Chamei o garçom, mandei que trouxesse entradas, mais entradas, prato principal, sobremesa, e outra garrafa de vinho. Quanto mais tempo, melhor.
— Você está estranho. Será que foi meu comentário sobre os livros? Faça o que quiser, não estou aqui para mudar seu mundo. Termino dando palpites onde não fui convidada.
Eu pensara nesta história de “mudar o mundo” alguns segundos antes.
— Athena, você vive me falando... melhor, eu preciso falar de algo que aconteceu naquele bar em Sibiu, com a música cigana...
— No restaurante, você quer dizer.
— Sim, no restaurante. Hoje estávamos comentando sobre livros, coisas que se acumulam e que ocupam espaço. Talvez você tenha razão. Existe algo que desejo dar desde que a vi dançando, aquele dia. Isso está ficando cada vez mais pesado em meu coração.
— Não sei do que você está falando.
— Claro que sabe. Estou falando de um amor que estou descobrindo agora e fazendo o possível para destruí-lo antes que se manifeste. Gostaria que o recebesse; é o pouco que tenho de mim mesmo, mas que não possuo. Ele não é exclusivamente seu, porque tenho alguém em minha vida, mas ficaria feliz se o aceitasse de qualquer maneira.
“Diz um poeta árabe de sua terra, Khalil Gibran: ‘
— não serei aquele que vive.
Respirei fundo: o vinho havia me ajudado a libertar-me.
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Ela bebeu o copo até o final, e eu fiz o mesmo. O
garçom apareceu com as comidas, fazendo alguns comentários a respeito dos pratos, explicando os ingredientes e a maneira de cozinhá-los. Nós dois mantínhamos os olhos fixos, um no outro —
Andrea me contara que Athena agira assim quando se encontraram a primeira vez, e estava convencida de que aquilo era uma maneira de intimidar os outros.
O silêncio era aterrorizante. Eu a imaginava levantando-se da mesa, falando do seu famoso e invisível namorado da Scotland Yard, ou comentando que tinha ficado muito lisonjeada, mas estava preocupada com as aulas no dia seguinte.
—
Sua voz, embora baixa e um pouco pausada por causa do vinho, conseguia calar tudo à nossa volta.
—
Dizia tudo isso sem sorrir. Eu parecia estar conversando com uma esfinge.