– Menina Calloway, temos uma testemunha que a viu atacá-lo – contrapõe, pigarreando. – Tem sorte em ser este o único desfecho. Se ainda estivesse em liberdade condicional, voltaria agora mesmo diretamente para a prisão. E, claro, pode sempre instaurar um processo cível contra si.
Engulo o nó na minha garganta.
– Onde está agora, então?
– Foi libertado esta manhã.
– Libertaram-no esta manhã da prisão?
Scavo suspira.
– Não, nunca esteve detido. Teve alta do hospital esta manhã.
O que significa que esta noite estará de regresso ao prédio. O que significa que nunca mais lá posso voltar.
– Oiça, menina – diz Scavo. – Desta vez, teve sorte, mas precisa de consultar algum tipo de psiquiatra. Controlar os seus problemas de raiva. Caso contrário, vai acabar de novo na prisão.
– Obrigada pela dica – respondo, entredentes.
Ao desligar, ergo o olhar e percebo que não estou sozinha no quarto principal. Na outra ponta do quarto, postado junto à porta, está Douglas Garrick. Vestido com um fato Armani e uma vibrante gravata vermelha, o cabelo castanho-escuro penteado para trás, como sempre.
Pergunto-me quanto terá ouvido da conversa. Claro que só seria mau se tivesse ouvido o lado de Scavo.
– Olá, Millie – diz.
Apresso-me a levantar-me e a guardar o telemóvel no bolso.
– Olá. Desculpe, eu... estava só a tratar da roupa.
Não contesta a minha afirmação por estar a falar ao telemóvel. Em vez disso, entra no quarto, afrouxando a gravata vermelha com o polegar. Despe o casaco e atira-o para cima da cómoda.
– Bem? – pergunta.
Encaro-o, desconcertada.
– Vai deixar o meu casaco simplesmente ali estendido na cómoda?
Demoro um segundo a perceber o que quer que eu faça. O seu roupeiro está a menos de dois metros de nós, e ter-lhe-ia sido relativamente fácil pendurar o seu próprio casaco, mas, em vez disso, deixa a tarefa para mim. É justo, visto que é o meu trabalho, mas há uma intensidade na sua voz que me deixa inquieta. Tenho vindo a notá-la cada vez mais nas nossas interações.
– Peço imensa desculpa – murmuro. – Deixe-me pendurar isso por si.
Douglas Garrick vê-me tratar do seu casaco, estudando-me atentamente. No outro dia, pesquisei-o no Google, mas não há muito sobre ele – nem sequer uma foto decente. Aparentemente, é uma pessoa extremamente reservada. Tudo o que consegui descobrir foi que é o diretor-executivo de uma empresa de grande dimensão chamada Coinstock, como o Brock disse. É uma espécie de génio das tecnologias que inventou um software utilizado por praticamente todos os bancos do país. O Brock disse-me que parecia um tipo simpático, mas não se conhece realmente alguém só através de uma interação profissional. Douglas parece ser um homem hábil a ligar o charme quando necessita.
– É casada? – pergunta-me.
A pergunta faz-me paralisar a meio caminho do cabide.
– Não...
Um dos cantos da sua boca curva-se para cima.
– Namorado?
– Sim – respondo rigidamente.
Não comenta a minha resposta, mas os seus olhos percorrem-me até eu me começar a contorcer. Não importa quão atraente é – não me agrada que olhe para mim desta maneira. Quando nos conhecemos, impressionou-me a forma como controlava o olhar, mas suponho que era só fachada. Se continuar a olhar-me assim...
Bem, não há muito que eu possa fazer a esse respeito, suponho. Não depois de um polícia ter acabado de me acusar de agredir um homem.
Estou prestes a redirecionar-lhe verbalmente o olhar para o meu rosto quando os seus olhos acabam por pousar na camisa de noite branca ainda estendida na cama king sise. Olha fixamente para a mancha de sangue na gola. Talvez seja imaginação minha, mas estou certa de que oiço uma inalação brusca.
– Bem. – Olho para a camisa de noite e de novo para Douglas. – Se me dá licença, preciso de pesquisar como tirar nódoas de molho de tomate de um tecido.
Fita-me por mais um instante, depois acena em aprovação.
– Bom. Faça isso.
Mas eu não preciso de pesquisar nada. Já sei como tirar manchas de sangue de um tecido.
16
Q Brock e eu estamos a jantar juntos, mas não me consigo concentrar numa palavra do que está a dizer.
O tempo aqueceu e estamos numa mesa ao ar livre num simpático restaurantezinho do Médio Oriente na East Village. O Brock está devastadoramente atraente no seu fato de executivo e eu estreei um novo vestido de verão. Enquanto comemos as nossas entradas, o Brock conta-me tudo sobre um dos seus clientes, e geralmente sinto-me feliz por passar uma tarde com o meu incrível namorado. Fico sempre ligeiramente espantada por alguém como o Brock se interessar por alguém como eu e, em circunstâncias normais, estaria a beber cada palavra sua (mesmo estando a falar sobre direito de patentes, o que, para ser sincera, é a modos que aborrecido). Mas, hoje, a minha cabeça está noutro lugar.
Porque tenho outra vez aquela sensação de formigueiro na nuca. Como se alguém me estivesse a observar.