– Estou cansada. Vou apenas tomar um duche e deitar-me.
O Xavier sorri-me, fazendo brilhar o seu dente de ouro às luzes ténues do teto da escadaria.
– Quer companhia para isso?
Viro-lhe costas.
– Não, obrigada.
Chegámos ao patamar do segundo andar, e eu espero que o Xavier vá à sua vida. Mas, em vez disso, continua a subir as escadas a meu lado. Sinto um nó no estômago e levo a mão ao bolso para procurar a minha lata de gás-pimenta.
– Porque não? – insiste. – Vá lá. Não pode gostar realmente daquele betinho rico que a vem sempre cá visitar. Precisa de um homem a sério.
Desta vez, ignoro-o. Dentro de um minuto, estarei no meu apartamento. Só preciso de lá chegar.
– Millie?
Cinco degraus. Mais cinco degraus para subir e estarei livre deste cretino. Quatro, três, dois...
Mas, então, uma mão agarra-me o braço, cravando os dedos em mim.
Não vou conseguir.
13
Ei! – A mão carnuda de Xavier aperta-se com força sobre o meu braço. – Ei!
Retorço-me, mas o seu aperto é como um torno – é mais forte do que parece. Abro a boca, pronta para gritar, mas põe a mão aberta sobre os meus lábios antes que eu possa emitir algum som. A parte de trás da minha cabeça colide com a parede, fazendo-me bater os dentes.
– Então agora já tens algo a dizer? – pergunta-me, com um sorriso escarninho. – Mas antes pensavas que eras demasiado boa para mim. Não é verdade?
Tento sacudi-lo, mas encosta o corpo ao meu de forma a fazer-me sentir a protuberância nas suas calças. Lambe os lábios gretados.
– Vamos lá para dentro divertir-nos um pouco, está bem?
No entanto, cometeu o erro de agarrar o braço errado. Tiro a lata de gás-pimenta e fecho os olhos enquanto a esvazio em cheio no seu rosto. Grita e então, assim que largo o bocal, empurro-o com todas as minhas forças.
Sempre me queixei de como são íngremes os degraus neste edifício, mas, por uma vez, isso é-me vantajoso, pois o Xavier cai pelo lanço de escadas. A dada altura, oiço um estalido repugnante, seguido de um baque quando aterra ao fundo. E, depois, silêncio.
Por um momento, fico ao cimo das escadas, a olhar para o corpo estendido no patamar seguinte. Estará morto? Será que o matei?
Desço os degraus a toda a pressa, parando bruscamente ao fundo. Ainda tenho a lata de gás-pimenta na minha mão direita quando me baixo para ver mais de perto. O seu peito parece continuar a subir e a descer, e então solta um gemido baixo. Ainda está vivo. Nem sequer o deixei totalmente inconsciente.
Que pena. Se alguém merecia um pescoço partido, era este tipo.
Não. Provavelmente é melhor que não esteja morto.
Impulsivamente, puxo o pé atrás e, com todas as minhas forças, pontapeio-o nas costelas. Desta vez, geme mais alto. Definitivamente ainda está vivo. Dou-lhe outro pontapé, por via das dúvidas. E depois um terceiro para o caminho. De cada vez que a minha sapatilha estabelece contacto com as suas costelas, sorrio para comigo.
Olho para o lanço seguinte de escadas. Ao primeiro, sobreviveu. Pergunto-me o que aconteceria se caísse por um segundo lanço. Ou talvez um terceiro. Nem parece assim tão pesado. Aposto que conseguia virá-lo e...
Não. Meu Deus, em que estou a pensar?
Não posso fazer isso. Já passei dez anos na prisão. Não vou voltar para lá.
Agarro no meu telemóvel e ligo para o 112. Vou obter a minha justiça, e não será matando este homem.
14
Uma hora depois, a polícia e uma ambulância estão estacionadas à porta do prédio. Não é incrivelmente invulgar ver um carro da polícia estacionado na nossa rua, mas desta vez as luzes estão a piscar.
Tinha esperança de que levassem o Xavier diretamente para a prisão, mas tinha um braço partido, um traumatismo craniano e possivelmente algumas costelas fraturadas. Quando a polícia chegou, começava a ficar mais coerente e até a tentar levantar-se. Ainda bem que chegaram, caso contrário teria tido de procurar algo mais com que o deixar inconsciente.
Irritou-me que nenhum dos meus vizinhos tivesse saído para me ajudar. Apesar do que o Brock disse sobre Kitty Genovese, eu posso dizer com certeza que um homem tentou violar-me no corredor do meu prédio e ninguém veio em meu auxílio. O que se passa com as pessoas? A sério.
Uma agente da polícia fez-me algumas perguntas à chegada, mas depois pediram-me para esperar no meu apartamento enquanto tratavam das coisas. Portanto, é isso que tenho estado a fazer. Liguei ao Brock e disse-lhe que um vizinho me tinha tentado atacar, apesar de ter sido vaga quanto aos pormenores de como escapei. Está a caminho, mas eu não vou a lado algum até ter feito um depoimento formal que faça o Xavier ir para a prisão assim que lhe tratarem do braço partido. Espero que o sacana precise de cirurgia.