– É este o lugar – ele disse, quando nos aproximamos dos dois altos portões do parque, encimados por grifos heráldicos. – O sr. Barnes me informou que, por volta de meio-dia, a velha dama sai para um passeio, e que a carruagem precisa diminuir a marcha enquanto os portões são abertos. Quando a carruagem atravessar os portões, e antes que sua velocidade aumente, quero que você, Watson, pare o cocheiro fazendo-lhe alguma pergunta. Não se incomode comigo. Ficarei atrás deste arbusto de azevinho para observar o que puder.
Não foi uma vigília longa. Quinze minutos depois, avistamos a grande carruagem amarela aberta descendo a avenida, com dois magníficos cavalos pardos. Holmes agachou-se atrás do arbusto com o cachorro. Fiquei de pé no caminho, balançando a bengala despreocupadamente. Um guarda saiu correndo e os portões foram abertos.
A carruagem reduziu a marcha, e pude observar bem seus ocupantes. Uma jovem muito pintada, de cabelos louros e olhos atrevidos estava sentada à esquerda. À sua direita estava uma pessoa idosa, de costas encurvadas e uma barafunda de xales ao redor de seu rosto e dos ombros, que indicavam a inválida. Quando os cavalos chegaram à estrada, levantei a mão num gesto autoritário, e quando o cocheiro puxou as rédeas, perguntei se sir Robert estava em Shoscombe Old Place.
No mesmo instante Holmes saiu do esconderijo e soltou o spaniel. Com um grito de alegria, o cão correu para a carruagem e pulou sobre o degrau. Então, num segundo, seu cumprimento veemente transformou-se em raiva furiosa, e ele mordeu a saia preta que estava sobre o degrau.
– Vamos em frente! – gritou uma voz áspera. O cocheiro chicoteou os cavalos, e nós ficamos parados na estrada.
– Bem, Watson, conseguimos – disse Holmes enquanto atava a correia no pescoço do spaniel excitado. – Ele pensou que fosse a sua dona e descobriu que era um estranho. Os cachorros não se enganam.
– Mas era a voz de um homem! – exclamei.
– Exatamente! Temos mais um trunfo nas mãos, Watson, mas, mesmo assim, é preciso jogar com cautela.
Meu amigo parecia não ter outros planos para aquele dia, e nós realmente usamos nosso equipamento de pesca no rio do moinho, e o resultado foi que tivemos uma travessa de trutas na nossa ceia. Só depois daquela refeição Holmes demonstrou sinais de atividade revigorada. Uma vez mais encontramo-nos na mesma estrada em que havíamos estado pela manhã, que dava nos portões do parque. Uma figura morena e alta estava nos esperando ali, e era o nosso conhecido de Londres, sr. John Mason, o treinador.
– Boa-noite, senhores – ele disse. – Recebi seu bilhete, sr. Holmes. Sir Robert ainda não voltou, mas ouvi dizer que ele é esperado esta noite.
– A que distância a cripta fica da casa? – perguntou Holmes.
– A uns 400 metros.
– Então acho que poderemos agir sem medo.
– Não posso correr este risco, sr. Holmes. Assim que ele chegar, vai querer me ver para saber as últimas notícias de Shoscombe Prince.
– Compreendo! Neste caso temos que trabalhar sem o senhor. Poderá nos mostrar a cripta e depois ir embora.
Estava escuro como breu e não havia lua, mas Mason nos conduziu pelo prado até que surgiu na nossa frente uma forma escura que depois vimos ser a antiga capela. Entramos pela brecha que antes havia sido um pórtico, e o nosso guia, tropeçando em meio aos montes de alvenaria solta, foi até o canto do edifício, onde uma escada íngreme nos levou para baixo, até a cripta. Riscando um fósforo, ele iluminou o lugar melancólico – um cheiro fétido e desagradável, velhas paredes de pedras toscas talhadas e pilhas de esquifes, alguns de chumbo, e alguns de pedra, prolongavam-se de um lado, chegando até o teto arqueado e cheio de frisos que se perdia nas sombras acima de nossas cabeças. Holmes tinha acendido sua lanterna, que projetou um minúsculo jato de luz amarelo-vivo sobre a lúgubre cena. Seus raios refletiram-se nas placas dos esquifes, muitos deles adornados com o brasão de grifos e coroa desta família antiga que carregava suas honrarias até mesmo para o portão da morte.
– O senhor falou de ossos, sr. Mason. Poderia mostrá-los antes de ir embora?
– Eles estão aqui neste canto – o treinador foi até lá e ficou mudo de espanto quando iluminamos o local. – Eles desapareceram – ele disse.
– Eu já esperava por isso – disse Holmes, dando uma risadinha. – Acho que as cinzas deles podem, ainda agora, ser encontradas naquele forno que já consumiu uma parte.
– Mas por que alguém iria querer queimar ossos de um homem que já está morto há mil anos? – perguntou John Mason.
– É para descobrir isto que estamos aqui – disse Holmes. – Isto pode significar uma busca demorada, e não precisamos retê-lo. Acho que teremos uma solução antes do amanhecer.