Depois que a infeliz mulher contou a sua história, ficamos sentados em silêncio durante algum tempo. Depois Holmes estendeu seu braço longo e afagou-lhe a mão com uma demonstração de compaixão como eu raramente vira antes.
– Pobre menina! – ele disse. – Pobre menina! Os caminhos do destino são realmente difíceis de entender. Se não houver alguma compensação no futuro, então o mundo é uma brincadeira cruel. Mas o que aconteceu com esse Leonardo?
– Eu nunca mais o vi nem ouvi nada a respeito dele. Talvez eu estivesse errada por sentir tanta amargura contra ele. Ele poderia logo ter-se enamorado de uma daquelas excêntricas com as quais nós viajávamos pelo país, no lugar daquilo que o leão havia deixado. Mas não é tão fácil acabar com o amor de uma mulher. Ele havia me deixado sob as garras do animal, ele me abandonou quando eu precisava dele, e mesmo assim eu não conseguia convencer-me a levá-lo à forca. Quanto a mim, eu não me preocupava com o que me aconteceria. O que poderia ser mais terrível do que a minha vida atual? Mas coloquei-me entre Leonardo e o seu destino.
– E ele está morto?
– Afogou-se no mês passado, quando tomava banho perto de Margate. Vi a sua morte no jornal.
– E o que ele fez com a clava de cinco garras, que é a parte mais estranha e engenhosa de toda a sua história?
– Não sei, sr. Holmes. Perto do acampamento há uma mina de cal com um lago verde e profundo em sua base. Talvez nas profundezas daquele lago...
– Bem, isto agora não tem importância. O caso está encerrado.
Tínhamos nos levantado para partir, mas alguma coisa na voz da mulher chamou a atenção de Holmes. Ele se virou rapidamente para ela.
– A sua vida não lhe pertence – ele disse. – Fique com as mãos afastadas de si mesma.
– Que utilidade tem a minha vida para alguém?
– Como a senhora pode afirmar isso? O exemplo de um sofrimento paciente é, por si só, a mais preciosa de todas lições que se poderia dar a um mundo impaciente.
A resposta da mulher foi terrível. Ela ergueu o véu e aproximou-se da luz.
– Eu gostaria de saber se o senhor suportaria isto – ela disse.
Foi horrível. Não há palavras que possam descrever o contorno de um rosto quando o próprio rosto já não existe. Dois lindos olhos castanhos cheios de vivacidade que exibiam tristeza em meio àquela espantosa ruína tornavam a visão ainda mais horrível. Holmes ergueu a mão num gesto de piedade e protesto, e juntos saímos do quarto.
Dois dias depois, quando fui visitar meu amigo, ele apontou com certo orgulho para uma pequena garrafa azul sobre a lareira. Peguei a garrafa. Havia um rótulo vermelho em que estava escrito “veneno”. Quando abri a garrafa, senti um agradável cheiro de amêndoa.
– Ácido prússico? – perguntei.
– Exatamente. Veio pelo correio. “Mando-lhe minha tentação. Seguirei o seu conselho.” Era essa a mensagem. Eu acho, Watson, que podemos adivinhar o nome da mulher corajosa que nos enviou isto.
a aventura de shoscombe old place
Sherlock Holmes ficou curvado durante muito tempo sobre um microscópio pequeno. Depois ele endireitou o corpo e olhou para mim com ar triunfante.
– É cola, Watson – ele disse. – Indiscutivelmente, é cola. Olhe para esses pontos dispersos no campo de visão!
Inclinei-me e ajustei o foco para a minha vista.
– Esses cabelos são fios de um casaco de tweed. As concentrações cinzentas irregulares são poeira. Há células epiteliais à esquerda. Aquelas bolhas marrons no centro sem dúvida são de cola.
– Bem – eu disse em tom de brincadeira. – Estou disposto a acreditar na sua palavra. Alguma coisa depende disto?
– É uma prova muito boa – ele respondeu. – No caso de St. Pancras, você deve
se lembrar que foi encontrado um boné ao lado do policial morto. O homem acusado nega que o boné seja seu. Mas ele é um fabricante de molduras para quadros, que lida habitualmente com cola.
– Este é um dos seus casos?
– Não, meu amigo Merivale, da Scotland Yard, pediu-me para investigar o caso. Desde que agarrei aquele falsificador de moedas por causa dos resíduos de zinco e cobre na costura do punho de sua camisa, eles começaram a perceber a importância do microscópio – ele olhou com impaciência para o seu relógio de bolso. – Eu esperava a visita de um cliente novo, mas ele está atrasado. A propósito, Watson, você sabe alguma coisa sobre corridas de cavalos?
– Eu deveria saber. Pago por isso metade da minha pensão de guerra.
– Então farei de você o meu “Guia Útil para o Turfe”. E o que sabe a respeito de sir Robert Norberton? O nome lhe lembra alguma coisa?
– Bem, eu diria que sim. Ele mora em Shoscombe Old Place, e eu conheço bem o lugar, porque uma vez passei o verão lá. Norberton quase entrou na sua área de atuação uma vez.
– Como foi isso?
– Foi quando ele chicoteou Sam Brewer, o conhecido agiota da rua Curzon, no Newmarket Heath. Ele quase matou o homem.
– Ah! Ele parece ser uma pessoa interessante! Ele se satisfaz freqüentemente desta forma?