– Estas duas fotografias ajudarão os senhores a compreender a minha história. Eu era uma pobre garota de circo, criada na serragem e dando saltos na argola antes de completar 10 anos. Quando me tornei mulher, este homem me amou, se é que uma concupiscência como a dele pode ser chamada de amor, e num momento infeliz tornei-me sua esposa. Daquele dia em diante eu estava num inferno, e ele era o demônio que me atormentava. Não havia ninguém no espetáculo que não soubesse desse tratamento. Ele me deixava só por causa de outras mulheres. Quando eu me queixava, ele me amarrava e me chicoteava com seu chicote de montar. Todos tinham pena de mim e todos o detestavam, mas o que podiam fazer? Eles o temiam, todos eles. Pois ele era sempre terrível, e sanguinário quando estava bêbado. Constantemente estava pronto para atacar e fazer crueldade com os animais, mas tinha muito dinheiro, e para ele as multas nada significavam. Todos os melhores artistas foram embora, e o espetáculo começou a entrar em decadência. Só Leonardo e eu sustentávamos o espetáculo – juntamente com o pequeno Jimmy Griggs, o palhaço. Pobre-diabo, ele não tinha muito com que se alegrar, mas fazia o que podia para manter as coisas de pé.
– Então Leonardo entrou cada vez mais na minha vida. O senhor pode ver como era ele. Eu agora conheço a pobreza de espírito que se escondia naquele corpo, mas, comparado ao meu marido, ele parecia o anjo Gabriel. Ele tinha pena de mim e me ajudava, até que a nossa intimidade acabou se transformando em amor – um amor profundo e apaixonado, como eu havia sonhado mas nunca esperara sentir. Meu marido suspeitava, mas acho que ele era tão covarde quanto tirano, e que Leonardo era o único homem que ele temia. Ele vingava-se à sua maneira, torturando-me mais do que nunca. Uma noite, meus gritos trouxeram Leonardo até a porta da nossa carroça. Naquela noite, estávamos à beira de uma tragédia, e logo o meu amante e eu compreendemos que isto não poderia ser evitado. Meu marido não devia mais viver. Combinamos que ele deveria morrer.
– Leonardo tinha um cérebro inteligente e ardiloso. Foi ele quem planejou. Não digo isto para culpá-lo, porque eu estava disposta a acompanhá-lo em cada centímetro do caminho. Mas eu nunca teria imaginação para pensar num plano desses. Fizemos uma clava – Leonardo a fez – e na parte superior, que era de chumbo, ele fixou cinco longos pregos de aço com as pontas para fora, com uma extensão semelhante às da pata do leão. Isto serviria para o golpe mortal em meu marido, mas deixando indícios de que o leão que iríamos soltar é que fizera aquilo.
– A noite estava escura como breu quando meu marido e eu descemos, como era costume nosso, para alimentar o animal. Carregávamos a carne crua num balde de zinco. Leonardo estava esperando na extremidade da grande carroça, por onde teríamos que passar antes de chegar à jaula. Leonardo foi lento demais, e nós passamos por ele antes que ele pudesse atacar meu marido, mas ele nos seguiu na ponta dos pés, e eu ouvi o ruído do golpe da clava despedaçando o crânio de Ronder. Meu coração pulou de alegria quando ouvi o som do impacto. Corri e abri o ferrolho que segurava a porta de jaula do leão.
– E então aconteceu aquela coisa terrível. O senhor deve ter ouvido falar como essas criaturas são rápidas para farejar o sangue humano, e como isto os excita. Algum estranho instinto avisara o animal, no mesmo instante, que um ser humano havia sido morto. Quando afastei a grade, o leão saltou para fora e em um segundo estava em cima de mim. Leonardo poderia ter me salvado. Se tivesse corrido para a frente e atacado o animal com a sua clava, poderia tê-lo acuado. Mas o homem perdeu o sangue-frio. Ouvi seu grito aterrorizado, e depois vi quando ele deu meia-volta e correu. Nesse instante os dentes do leão atacaram o meu rosto. Seu hálito quente e asqueroso já havia me envenenado, e eu mal tinha consciência da dor. Com as palmas das mãos tentei afastar as mandíbulas enfurecidas e manchadas de sangue, e gritei por socorro. Eu percebia que o acampamento estava movimentado, e depois lembro-me confusamente de um grupo de homens, Leonardo, Griggs e outros, puxando-me de sob as patas do animal. Esta cena foi a minha última lembrança durante muitos meses incômodos. Quando voltei a mim e me vi no espelho, amaldiçoei aquele leão – oh, como eu o amaldiçoei –, não porque ele havia destruído minha beleza, mas porque ele não havia destruído a minha vida. Eu só tinha um desejo, sr. Holmes, e tinha dinheiro suficiente para satisfazê-lo. Esse desejo era de me cobrir para que meu pobre rosto não fosse visto por ninguém, e de morar onde ninguém que eu tivesse conhecido antes pudesse me encontrar. Isto era tudo o que eu podia fazer, e é o que tenho feito. Um pobre animal ferido que rastejou até a sua caverna para morrer – este é o fim de Eugenia Ronder.