Eu havia acabado de chegar à parte mais alta do atalho, quando me lembrei de repente. Como um relâmpago, lembrei-me daquilo que eu havia tentado agarrar em vão com tanta ansiedade. Você deve saber, ou Watson escreveu em vão, que eu conservo um vasto depósito de conhecimentos diversificados mas não correlatos, catalogados sem método científico, mas disponíveis para as necessidades de meu trabalho. Minha mente é como um depósito cheio, com pacotes de todo tipo armazenados em tal quantidade que só consigo ter uma vaga idéia do que está lá dentro. Eu sabia que havia alguma coisa que poderia ter relação com este assunto. Era uma idéia ainda vaga, mas pelo menos eu sabia como poderia torná-la clara. Era monstruoso, incrível, mas era uma possibilidade. Eu faria o teste até o fim.
Na minha casa tem um grande sótão entulhado de livros. Foi ali que me enfurnei e pesquisei durante uma hora. No fim desse período saí com um livro pequeno, marrom e prateado. Virei ansiosamente as páginas até o capítulo de que me lembrava confusamente. Sim, era realmente uma história artificial e improvável, mas eu não descansaria até me certificar de que poderia realmente ter sido assim. Já era tarde quando fui me deitar, com a mente esperando ansiosamente pelo trabalho do dia seguinte.
Mas aquele trabalho sofreu uma interrupção inoportuna. Eu mal havia engolido o meu chá matinal e estava saindo para a praia, quando apareceu o inspetor Bardle, da polícia de Sussex – um homem decidido, corpulento e pesadão, de olhos pensativos, que agora tinham uma expressão muito preocupada.
– Sei da sua enorme experiência, senhor – ele disse. – Isto não é oficial, e não deve ser comentado. Mas, no caso de McPherson, sou francamente contra isto. A questão é: devo ou não prender alguém?
– Está se referindo ao sr. Ian Murdoch?
– Sim, senhor. Realmente não há mais ninguém quando se começa a pensar. Esta é a vantagem deste lugar isolado. Nós reduzimos a busca a um círculo muito pequeno. Se não foi ele quem fez isso, então quem foi?
– O que tem você contra ele?
Ele tinha as mesmas dúvidas que eu. Havia o caráter de Murdoch, e o mistério que parecia flutuar em volta dele. Seus acessos de fúria, como ficou demonstrado no incidente do cachorro. O fato de que ele tivera uma discussão com McPherson no passado, e de que havia algum motivo para se pensar que ele guardasse ressentimento pelas atenções que McPherson dispensava à senhorita Bellamy. Ele tinha as mesmas informações que eu, mas não sabia nada de novo, exceto que Murdoch parecia estar fazendo os preparativos para ir embora.
– Como ficaria a minha situação, se eu o deixasse escapar com todas essas provas contra ele? – O homem corpulento e fleumático estava muito preocupado.
– Analise, no seu caso – disse eu –, as lacunas principais. Na manhã do crime, ele pôde comprovar seu álibi. Ele havia estado com seus alunos até o último momento, e alguns minutos depois que McPherson apareceu, ele se aproximou de nós e vinha do lado oposto. Depois, lembre-se de que seria absolutamente impossível que ele, sem ajuda, pudesse ter cometido aquela atrocidade contra um homem tão forte quanto ele próprio.
– O que poderia ter sido aquilo, a não ser um açoite ou algum tipo de chicote?
– Você examinou as marcas? – perguntei.
– Eu as vi. O médico também.
– Mas eu as examinei muito atentamente com uma lente. Elas apresentam algumas peculiaridades.
– Que peculiaridades, sr. Holmes?
Fui até a minha escrivaninha e apanhei uma fotografia ampliada. – Este é o meu método em casos desse tipo – expliquei.
– O senhor, certamente, faz as coisas com perfeição, sr. Holmes.
– Dificilmente eu seria o que sou, se não o fizesse. Agora, vejamos este vergão, que passa em volta do ombro direito. Você não percebe nada de extraordinário?
– Não posso dizer que sim.
– É evidente que os vergões têm intensidades desiguais. Há um salpico de sangue aqui e outro ali. Há sinais semelhantes neste outro vergão aqui embaixo. O que pode significar isto?
– Não tenho idéia. O senhor tem?
– Talvez sim. Talvez não. Eu terei condições de dizer algo mais. Qualquer coisa que defina o que produziu aquelas marcas nos aproximará do criminoso.
– Esta é, naturalmente, uma idéia absurda – disse o policial –, mas se uma rede de arame incandescente tivesse sido jogada nas costas dele, então aquelas marcas mais acentuadas representariam os pontos em que as malhas se cruzavam.
– Uma comparação bastante engenhosa. Ou devemos dizer um açoite com muitas cordas duras e pequenos nós.
– Por Deus, sr. Holmes, acho que o senhor conseguiu descobrir.
– Ou talvez a causa seja bem diferente, sr. Bardle. Mas o senhor ainda não tem base suficiente para efetuar uma prisão. Além disso, temos aquelas últimas palavras – “a juba do leão”.
– Eu tenho me perguntado se Ian...
– Sim, tenho considerado essa possibilidade. Se a primeira palavra poderia ter alguma semelhança com Murdoch – mas não tem. Ele a disse quase gritando. Tenho certeza de que a palavra era “Juba”.
– O senhor não tem nenhuma alternativa, sr. Holmes?