– Não seja barulhento, sr. Gibson. Sei que, após o café-da-manhã, até a menor discussão é perturbadora. Acho que um passeio no ar da manhã e uma reflexão tranqüila serão muito benéficos para o senhor.
Com esforço, o Rei do Ouro controlou sua fúria. Só pude admirá-lo, pois com um supremo domínio sobre si mesmo ele havia, em um minuto, passado do ódio inflamado à indiferença fria e desdenhosa.
– Bem, é a sua opção. Suponho que o senhor saiba dirigir seus próprios negócios. Não posso fazê-lo tratar do caso contra a sua vontade. Esta manhã o senhor não fez nenhum bem a si mesmo, sr. Holmes, pois eu já venci homens mais fortes do que o senhor. Nenhum homem jamais se opôs a mim e levou a melhor.
– Muitos disseram isto, e mesmo assim estou aqui – disse Holmes, sorrindo. – Bem, bom-dia, sr. Gibson. O senhor ainda tem muito o que aprender.
Nosso visitante saiu ruidosamente, mas Holmes continuou fumando num silêncio imperturbável, com os olhos sonhadores fixos no teto.
– Qual é a sua opinião, Watson?
– Bem, Holmes, devo confessar que quando penso que este é um homem que certamente afastaria qualquer obstáculo do seu caminho, e quando me lembro que a mulher dele pode ter sido um obstáculo e um alvo de desagrado, como aquele homem, Bates, nos contou, parece-me que...
– Exatamente. E a mim também.
– Mas quais eram as suas relações com a governanta, e como você as descobriu?
– Blefe, Watson, blefe! Quando analisei o tom apaixonado e nada formal de sua carta, diferente de uma carta de negócios, e o comparei com o seu jeito e seu aspecto reservados, ficou claro que havia uma profunda emoção que se centrava mais na mulher acusada do que na vítima. É necessário compreender as relações verdadeiras entre essas três pessoas para podermos chegar à verdade. Você viu o ataque frontal que lhe fiz, e como ele o recebeu do modo imperturbável. Então blefei para dar-lhe a impressão de que eu estava absolutamente certo, quando, na verdade, eu estava apenas suspeitando.
– Será que ele volta?
– É certo que ele voltará. Ele precisa voltar. Ele não pode deixar as coisas como estão. Ah! não é a campainha? Sim, ouço seus passos. Ora, sr. Gibson, eu estava justamente dizendo ao dr. Watson que o senhor estava um pouco atrasado.
O Rei do Ouro havia voltado à sala com uma disposição mais conciliadora do que quando saiu. Seu orgulho ferido ainda transparecia em seus olhos ressentidos, mas seu bom senso lhe mostrara que precisava se sujeitar, se quisesse atingir seu objetivo.
– Estive refletindo sobre o assunto, sr. Holmes, e percebi que fui precipitado ao interpretar erroneamente as suas observações. O senhor tem motivos para ir direto aos fatos, quaisquer que eles sejam, e eu o respeito mais por isso. Mas, posso assegurar-lhe que as minhas relações com a senhorita Dunbar realmente não têm nada a ver com este caso.
– Isto cabe a mim decidir, não é?
– Sim, suponho que seja assim. O senhor é como um cirurgião que quer saber todos os sintomas antes de fazer o diagnóstico.
– Exatamente. É o que o senhor acaba de dizer. E só um paciente que tenha o objetivo de enganar seu cirurgião ocultaria a realidade de seu caso.
– Pode ser assim, mas o senhor deve admitir, sr. Holmes, que a maioria dos homens se acanha um pouco quando lhe perguntam, sem rodeios, qual o tipo de relação que ele tem com uma mulher – quando há realmente algum sentimento verdadeiro no caso. Imagino que a maioria dos homens tenha um cantinho particular em suas almas, onde os intrusos não são bem-vindos. E o senhor de repente intrometeu-se aí. Mas, o objetivo o desculpa, desde que seja para julgar e tentar salvá-la. Bem, as apostas estão sobre a mesa e a alma aberta, e o senhor pode explorá-la onde quiser. O que é que o senhor deseja?
– A verdade.
O Rei do Ouro fez uma pausa, como alguém que põe os pensamentos em ordem. Seu rosto carrancudo e marcado por rugas ficou ainda mais sombrio e grave.