– Não, ele afirmou que não houve motivo.
– Eram bons amigos em outras ocasiões?
– Não; nunca houve amor entre eles.
– Mas o senhor diz que ele é carinhoso.
– Nunca houve no mundo filho mais dedicado. Minha vida é a vida dele. Ele vive absorvido no que digo ou faço.
Mais uma vez Holmes fez anotações. Durante algum tempo ele ficou sentado, perdido em seus pensamentos.
– Sem dúvida o senhor e seu filho eram grandes amigos antes deste segundo casamento. Os acontecimentos os aproximaram muito, não foi?
– Realmente, muito mesmo.
– E o rapaz, tendo uma natureza tão afetuosa, sem dúvida era dedicado à memória de sua mãe?
– Muitíssimo dedicado.
– Ele parece ser um rapaz bastante interessante. Há um outro detalhe a respeito desses ataques que deve ser esclarecido. Os estranhos ataques contra o bebê e as agressões ao seu filho ocorreram na mesma ocasião?
– Da primeira vez foi isto o que aconteceu. Foi como se um furor tivesse se apossado dela, e ela houvesse descarregado sua cólera sobre ambos. Da segunda vez foi só o Jack que sofreu. A sra. Mason não teve queixas a fazer em relação ao bebê.
– Isto certamente complica a situação.
– Eu não o compreendo inteiramente, sr. Holmes.
– É possível que não. Elaboramos teorias provisórias e esperamos que o tempo ou o conhecimento mais amplo as desenvolvam. É um mau hábito, sr. Ferguson, mas a natureza humana é fraca. Receio que seu velho amigo aqui tenha lhe dado uma opinião exagerada de meus métodos científicos. Mas direi apenas que, no estágio atual, seu problema não me parece insolúvel, e que o senhor pode nos aguardar às duas horas na estação Victoria.
Era a noite de um escuro e nublado dia de novembro, quando, após termos deixado nossas malas no Chequers, Lamberley, seguimos de charrete através de uma longa e sinuosa estrada de argila, típica de Sussex, e finalmente chegamos à antiga e isolada casa de fazenda onde morava Ferguson. Era uma construção grande, irregular, muito velha no centro, bem nova nas extremidades, com chaminés altas estilo Tudor e um telhado muito inclinado, com retângulos de lousa cobertos de líquens. Os degraus gastos da porta estavam vergados pelo uso, e os azulejos antigos que revestiam o vestíbulo traziam o símbolo do construtor – um queijo e um homem. Dentro, os tetos eram nervurados com pesadas vigas de carvalho, e os assoalhos irregulares tinham cedido, formando ondas acentuadas. Um cheiro de velhice e decadência enchia toda a moradia em ruínas.
Havia uma sala central muito grande, para onde Ferguson nos conduziu. Ali, numa lareira imensa e antiga com um anteparo de ferro, datada de 1670, crepitava um esplêndido fogo de lenha.
Quando olhei em volta, vi que a sala era a mais estranha mistura de datas e lugares: as paredes revestidas de madeira até a metade podiam perfeitamente ter pertencido ao primeiro proprietário, no século XVII. Mas, elas estavam ornamentadas, na parte inferior, com um revestimento em aquarela, moderno e de bom gosto, enquanto em cima, onde a caiação amarela substituiu o carvalho, estava dependurada uma bonita coleção de utensílios e armas sul-americanos que, sem dúvida, havia sido trazida pela senhora peruana, que se encontrava no andar de cima. Holmes levantou-se com aquela curiosidade que brotava de sua mente ávida e examinou-os com atenção. Voltou ao seu lugar com os olhos pensativos.
– Ei! – ele gritou. – Ei!
Um cachorro spaniel que estava deitado num cesto, no canto, começou a andar lentamente e com dificuldade na direção do seu dono. Suas pernas posteriores moviam-se irregularmente, e seu rabo estava caído sobre o assoalho. Ele lambeu a mão de Ferguson.
– O que foi, sr. Holmes?
– O cão. O que há com ele?
– É isto que intriga o veterinário. Uma espécie de paralisia. Meningite espinhal, ele concluiu. Mas é passageira. Em pouco tempo ele estará completamente curado – não é, Carlo?
O cão balançou o rabo caído em sinal de aquiescência. Os olhos melancólicos do cão fixaram-se em cada um de nós. Ele sabia que estávamos discutindo o seu caso.
– Isto aconteceu de repente?
– Em uma única noite.
– Há quanto tempo?
– Pode ter sido há quatro meses.
– Extraordinário. Muito sugestivo.
– O que vê o senhor nisto, sr. Holmes?
– Uma confirmação do que eu já havia pensado.
– Pelo amor de Deus, o que é que o senhor pensa, sr. Holmes? Para o senhor isto deve ser um enigma puramente intelectual, mas, para mim, é vida e morte! Minha esposa, uma suposta assassina, meu filho, em constante perigo. Não brinque comigo, sr. Holmes. É terrivelmente sério.
O grande defesa do rúgbi estava tremendo da cabeça aos pés. Holmes pôs a mão, num gesto tranqüilizador, sobre o braço de Ferguson.
– Temo que o senhor vá sofrer, sr. Ferguson, qualquer que seja a solução – ele disse. – Eu o pouparia o máximo possível. Por enquanto, não posso dizer mais nada, mas antes de sair desta casa, espero poder ter alguma coisa definitiva.
– Queira Deus que o senhor o consiga! Se os senhores me derem licença, irei até o quarto de minha mulher verificar se houve alguma mudança.