– Basta, Billy – ele disse. – Você está correndo perigo de vida, meu rapaz, e eu não posso ficar sem você justamente agora. Olá, Watson, é bom vê-lo novamente em seus antigos aposentos. Você chegou num momento crítico.
– É o que estou vendo.
– Você pode ir, Billy. Este rapaz é um problema, Watson. Até que ponto posso permitir que ele corra perigo?
– Perigo de quê, Holmes?
– De ser morto de repente. Estou esperando alguma coisa esta noite.
– Esperando o quê?
– Ser assassinado, Watson.
– Não, não, você está brincando, Holmes!
– Até o meu limitado senso de humor poderia produzir uma piada melhor do que esta. Mas podemos ficar à vontade enquanto isso, não podemos? O álcool é permitido? O acendedor e os charutos estão no lugar de sempre. Deixe-me vê-lo novamente na sua poltrona habitual. Espero que você não tenha aprendido
a desprezar meu cachimbo e meu tabaco deplorável. Eles precisam substituir a comida estes dias.
– Mas por que não comer?
– Porque as faculdades mentais se aprimoram, quando você as deixa passar fome. Ora, certamente, como médico, meu caro Watson, você deve reconhecer que aquilo que a sua digestão ganha em suprimento sangüíneo é subtraído ao cérebro. Eu sou cérebro, Watson. O resto do meu corpo é um mero apêndice. Portanto, é o cérebro que devo levar em consideração.
– Mas, e esse perigo, Holmes?
– Ah, sim; no caso de se concretizar, talvez fosse conveniente que você sobrecarregasse sua memória com o nome e o endereço do assassino. Você pode entregá-lo à Scotland Yard, com minhas saudações e uma bênção de despedida. O nome é Sylvius – conde Negretto Sylvius. Anote isto, homem, anote! Moorside Gardens, 136, Londres N.W. Anotou?
O rosto honesto de Watson estava crispado de emoção. Ele sabia muito bem o imenso risco que Holmes estava correndo e sabia também que aquilo que ele acabara de dizer era, provavelmente, mais uma atenuação dos fatos do que um exagero. Watson sempre foi um homem de ação, e colocou-se à altura da ocasião.
– Inclua-me nisso, Holmes. Não tenho nada para fazer durante um ou dois dias.
– Sua moral não melhorou nada, Watson. Você acrescentou a mentira aos seus outros vícios. Você mostra todos os sinais de um médico muito ocupado, com chamados a toda hora.
– Não são chamados tão importantes. Mas você não pode mandar prender esse homem?
– Sim, Watson, eu poderia. É isto que o deixa tão preocupado.
– E por que não o faz?
– Porque não sei onde está o diamante.
– Ah! Billy me contou – a jóia da Coroa que sumiu.
– Sim, a grande pedra amarela Mazarin. Eu joguei a rede e prendi o meu peixe. Mas não consegui a pedra. O que adianta mandar prendê-los? Poderemos tornar o mundo melhor, capturando-os. Mas não é isso o que me interessa. É a pedra que eu quero.
– E o conde Sylvius é um de seus peixes?
– Sim, ele é um tubarão. Ele morde. O outro é Sam Merton, o lutador de boxe. Sam não é um mau sujeito, mas o conde o tem usado. Sam não é um tubarão. Ele é uma grande isca tola. Mas ele também está se debatendo em minha rede.
– Onde está este conde Sylvius?
– Passei a manhã inteira muito perto dele. Você já me viu vestido de velha, Watson. Nunca estive mais convincente. Ele chegou a apanhar a sombrinha para mim, uma vez. “Com sua permissão, madame”, ele disse, com sotaque italiano, você sabe, e com a elegância do sulista, quando está disposto, mas a encarnação do demônio quando está com outra disposição de espírito. A vida está repleta de acontecimentos estranhos, Watson.
– Podia ter ocorrido uma tragédia.
– Bem, talvez. Eu o segui até a velha oficina de Straubenzee, nas Minories. Straubenzee fez a pistola de ar comprimido – um trabalho muito bonito, pelo que sei, e eu imagino que esta pistola está, neste momento, numa das janelas do outro lado da rua. Você viu o boneco? Naturalmente Billy o mostrou a você. Bem, ele pode receber a qualquer momento uma bala em sua bonita cabeça. Ah, Billy, o que é?
O rapaz entrou na sala com um cartão numa bandeja. Holmes olhou para o cartão, com as sobrancelhas erguidas, e um sorriso divertido.
– O homem, ele próprio. Eu dificilmente esperaria isto. Segure a rede com firmeza, Watson! Um homem ousado. Você deve ter ouvido falar de sua fama de caçador de animais grandes. Seria realmente um final glorioso para a excelente ficha de esportista dele, se ele me acrescentasse a sua coleção. Isto é uma prova de que ele sente os meus pés bem perto dos seus calcanhares.
– Chame a polícia.
– Provavelmente chamarei. Mas não agora. Quer olhar com cuidado pela janela, Watson, e ver se há alguém parado na rua?
Watson olhou discretamente.
– Sim, há um sujeito mal-encarado perto da porta.
– Deve ser Sam Merton – o fiel mas um tanto presunçoso Sam. Onde está o cavalheiro, Billy?
– Na sala de estar, senhor.
– Traga-o aqui quando eu tocar a campainha.
– Sim, senhor.
– Se eu não estiver na sala, deixe-o entrar assim mesmo.
– Sim, senhor.
Watson esperou até que a porta fosse fechada e então virou para o seu amigo.