– Eu previ esta situação – expliquei – e trouxe um amigo, em cuja discrição pode-se confiar totalmente. Uma vez prestei-lhe um serviço profissional, e ele está disposto a aconselhá-lo mais como amigo do que como especialista. Seu nome é sir James Sauders.
A perspectiva de uma entrevista com lorde Roberts não teria provocado, em um subalterno inexperiente, maior assombro e prazer do que aquele que agora se refletia no rosto do sr. Kent.
– Na verdade, ficarei lisonjeado – ele murmurou.
– Então pedirei a sir James para vir até aqui. Ele está agora lá fora, na carruagem. Enquanto isso, coronel Emsworth, talvez pudéssemos nos reunir em seu escritório, onde eu lhes darei as explicações necessárias.
E é aqui que sinto falta de Watson. Com perguntas astuciosas e exclamações de admiração, ele consegue transformar minha arte insignificante, que não passa de bom senso sistematizado, em algo extraordinário. Quando eu mesmo narro minhas histórias, não conto com esta ajuda. Mas explicarei o desenvolvimento de meu raciocínio, da mesma maneira que o expliquei no escritório do coronel Emsworth à minha pequena platéia, que incluía a mãe de Godfrey.
– Esse processo – eu disse – parte da suposição de que, quando eliminamos tudo o que é impossível, aquilo que permanece, ainda que improvável, deve ser a verdade. Pode ser que permaneçam várias explicações, e neste caso faz-se um teste após o outro, até que um ou outro obtenha uma quantidade convincente de argumentos. Nós agora vamos aplicar este princípio ao caso em questão. Conforme o que me foi narrado no início, havia três explicações possíveis para a reclusão ou encarceramento deste jovem numa dependência externa da mansão de seu pai. Havia a suposição de que ele estivesse num esconderijo por causa de um crime, ou que estivesse louco e eles quisessem evitar o asilo, ou que pudesse ter contraído uma moléstia que exigisse a segregação. Eu não podia imaginar outras explicações mais adequadas. Então essas explicações deviam ser investigadas e comparadas umas com as outras.
– A hipótese de um crime não resistiu à investigação. Naquele distrito, nenhum crime ficou sem solução. Eu estava certo disto. Se fosse algum crime ainda não descoberto, então, evidentemente, seria do interesse da família livrar-se do delinqüente, mandá-lo para fora do país, e não mantê-lo oculto em casa. Eu não via explicação para este tipo de conduta.
– Insanidade seria mais plausível. A presença de uma segunda pessoa na dependência externa da casa fazia pensar na possibilidade de um vigia. O fato de ele ter trancado a porta quando saiu reforçou esta hipótese e deu idéia de confinamento. Por outro lado, este confinamento não devia ser rigoroso, ou o jovem não poderia ter saído para ver seu amigo. O senhor há de se lembrar, sr. Dodd, que eu tateava à procura de detalhes quando lhe perguntei, por exemplo, a respeito da publicação que o sr. Kent estava lendo. Se tivesse sido The Lancet ou The British Medical Journey, isto teria me ajudado. Mas não é ilegal manter um louco numa propriedade privada, contanto que haja uma pessoa qualificada para assisti-lo, e que as autoridades tenham sido devidamente notificadas. Por que, então, todo esse desejo desesperado de segredo? Mais uma vez eu não conseguia fazer com que a teoria combinasse com os fatos.
– Ainda restava a terceira possibilidade, rara e improvável, mas na qual tudo parecia se encaixar. A lepra não é rara na África do Sul. Esse jovem poderia ter contraído lepra devido a alguma circunstância extraordinária. Sua família ficaria numa situação muito desagradável, já que iria querer livrá-lo da segregação. Seria necessário um grande sigilo para impedir que os boatos se espalhassem, e para evitar a subseqüente interferência das autoridades. Um médico dedicado e bem pago para tomar conta do doente poderia ser encontrado facilmente. Não havia motivo para que o doente não pudesse ficar em liberdade depois que escurecesse. A descoloração da pele é uma conseqüência comum da moléstia. O caso era grave – tão grave que decidi agir como se a moléstia já tivesse sido comprovada. Quando, ao chegar aqui, reparei que Ralph, ao transportar as refeições, usava luvas impregnadas de desinfetantes, minhas últimas dúvidas desapareceram. Uma única palavra mostrou ao senhor que o seu segredo havia sido descoberto, e se eu preferi escrever a falar, foi para provar-lhe que poderia confiar em minha discrição.
Eu estava terminando esta rápida análise dos fatos quando a porta se abriu e a figura austera do grande dermatologista entrou na sala. Mas desta vez suas feições de esfinge estavam descontraídas e havia em seus olhos muito calor humano. Aproximou-se do coronel Emsworth e apertou-lhe as mãos.
– Quase sempre o meu papel é transmitir notícias de doenças, e raramente boas – ele disse. – Este momento é dos mais agradáveis. Não é lepra.
– O quê?