Nesse momento, num esforço para escapar, rompi aquela névoa de desespero e vi no rosto de Holmes, branco, rígido e cheio de terror, a mesma expressão que eu vira no rosto dos mortos. Foi essa visão que me deu um momento de lucidez e força. Dei um salto da minha poltrona, coloquei os braços em volta de Holmes e saímos cambaleando pela porta; em seguida nos jogamos na grama e ali ficamos, lado a lado, percebendo apenas a gloriosa luz do sol que irrompia pela infernal nuvem de terror que nos envolvia. Lentamente ela se dissipou na nossa mente, como a neblina dos brejos, até que recuperamos a calma e a razão, e ficamos sentados na grama, limpando o suor viscoso de nossas testas e olhando apreensivos um para o outro, para observar os últimos vestígios da experiência terrível pela qual havíamos acabado de passar.
– Palavra de honra, Watson! – disse Holmes, finalmente, com voz trêmula. – Devo-lhe um agradecimento e um pedido de desculpas. Foi uma experiência injustificável para mim sozinho, e ainda mais para um amigo. Lamento muito.
– Você sabe – respondi emocionado, pois nunca vira tanto carinho nele antes – que é uma grande alegria e um privilégio ajudá-lo.
No mesmo instante Holmes voltou a ser o homem meio irônico e cínico, exibindo sua atitude habitual para com as pessoas que se preocupavam com ele.
– Seria desnecessário nos fazer enlouquecer, meu caro Watson. Um observador casual diria que já estávamos loucos quando fizemos a experiência insensata. Confesso que não imaginava que o efeito pudesse ser tão rápido e intenso.
Ele entrou correndo no chalé e voltou com o lampião fumegante, mantendo-o afastado do rosto, e o atirou num monte de espinheiros.
– Temos de esperar até que a sala fique arejada. Suponho, Watson, que já não haja mais nenhuma dúvida a respeito do modo como as tragédias ocorreram?
– Nenhuma.
– Mas o caso continua tão misterioso como antes. Vamos nos sentar no caramanchão e analisar o assunto. Parece que aquela coisa maldita ainda está apertando minha garganta. Temos de admitir que todos os indícios apontam Mortimer Tregennis como o autor da primeira tragédia, embora tenha sido vítima na segunda. Em primeiro lugar devemos nos lembrar de que houve uma briga na família, seguida de reconciliação. Não sabemos qual foi a gravidade da briga nem a sinceridade da reconciliação. Quando me lembro de Mortimer Tregennis, com sua cara de raposa e os olhinhos maldosos por trás dos óculos, não consigo ver nele um homem que eu julgaria capaz de perdoar. Bem, em segundo lugar você deve se lembrar de que a história de alguém andando no jardim, que desviou um pouco nossa atenção da verdadeira causa da tragédia, partiu dele. Tinha motivo para tentar nos despistar. E depois, se não foi ele mesmo quem jogou a substância na lareira quando saiu, quem foi? O fato aconteceu logo após a saída dele. Se outra pessoa tivesse entrado na casa, a família certamente teria se levantado da mesa. Além do mais, nesta Cornwall pacata, as visitas não aparecem depois das dez horas. Temos de aceitar, portanto, que todos os indícios apontam para Mortimer Tregennis como o criminoso.
– Então ele se suicidou?
– Bem, Watson, diante dos fatos, isso não é uma suposição impossível. O homem, que tinha na alma a culpa de dar à sua própria família esse destino, podia muito bem ser levado pelo remorso a fazer o mesmo com ele próprio. Entretanto, há fortes argumentos contra isso. Felizmente existe um homem na Inglaterra que sabe tudo a respeito disso, e eu fiz alguns arranjos para que ele mesmo conte todos os fatos esta tarde. Ah, ele está chegando um pouco antes da hora. Por aqui, dr. Sterndale. Fizemos uma experiência química na sala que deixou o ambiente impróprio para recebermos um visitante tão ilustre.
Escutei o rangido do portão do jardim e surgiu a figura imponente do famoso explorador africano. Ele se dirigiu, um tanto surpreso, para o caramanchão rústico onde estávamos sentados.
– O senhor me chamou, sr. Holmes. Recebi seu recado há uma hora e vim, embora não saiba por que deva obedecer às suas intimações.
– Talvez possamos esclarecer a questão antes de nos separarmos – respondeu Holmes. – Enquanto isso, fico-lhe muito grato por atender à solicitação. Desculpe-nos por esta recepção informal ao ar livre, mas meu amigo Watson e eu quase fornecemos um capítulo adicional ao que os jornais andam chamando de “O Terror de Cornish”, de modo que preferimos um ar limpo, no momento. Talvez, já que os assuntos que vamos discutir o afetam pessoalmente, seja bom que conversemos onde não haja intrusos nos ouvindo.
O caçador tirou o charuto da boca e olhou para o meu amigo com uma expressão severa.
– Não consigo imaginar o que o senhor tem para me dizer que possa me afetar pessoalmente.
– O assassinato de Mortimer Tregennis.