– Agora, Watson – disse, enquanto contornávamos os rochedos –, vamos definir com calma a nossa posição. Vamos nos apegar ao pouco que já sabemos, de modo que, se houver fatos novos, estaremos prontos para encaixá-los nos devidos lugares. Em primeiro lugar, temos de admitir que nenhum de nós aceita este caso como intrusões diabólicas em assuntos humanos. Vamos começar tirando essas idéias da cabeça. Muito bem. Temos três pessoas que foram perversamente atingidas por um agente humano, consciente ou inconsciente. Isto é líquido e certo. E agora, quando ocorreu isso? Evidentemente, supondo que o relato do sr. Mortimer Tregennis seja verdadeiro, foi logo depois que ele saiu da casa. Este é um ponto muito importante. A suposição é que tenha ocorrido poucos minutos depois. As cartas ainda estavam na mesa. Já passara da hora em que eles costumavam dormir. Mesmo assim não mudaram de posição nem afastaram as cadeiras. Repito, portanto, que o fato ocorreu logo após a partida do irmão, e antes das 11 horas. Nosso próximo passo, logicamente, é verificar, até onde pudermos, os movimentos de Mortimer Tregennis depois que saiu da casa. Não há dificuldades quanto a isso, e eles não me parecem suspeitos. Você, que conhece meus métodos, também sabe que, derrubando o regador, consegui uma impressão mais nítida de suas pegadas do que conseguiria de outra forma. O caminho cheio de areia a imprimiu maravilhosamente. A noite de ontem estava úmida, como sabe, e não foi difícil – depois de ter conseguido o modelo – seguir suas pegadas no meio de outras e acompanhar seus movimentos. Parece que ele foi para a paróquia, andando rapidamente. Se Mortimer Tregennis saiu de cena e alguém de fora perturbou os jogadores, como poderemos descrever essa pessoa e que tipo de horror ela transmitiu? A sra. Porter pode ser descartada. Ela, evidentemente, é inofensiva. Existe alguma prova de que alguém tenha espiado pela janela do jardim e, de algum modo, provocado um efeito tão terrível naqueles que o viram a ponto de enlouquecerem? A única sugestão neste sentido vem do próprio Mortimer Tregennis, que afirmou que seu irmão mencionou algum movimento no jardim. Isto, sem dúvida, é extraordinário, já que a noite estava chuvosa, nublada e escura. Qualquer um que quisesse assustar aquelas pessoas seria obrigado a encostar a cara na vidraça para ser visto. Há um canteiro, de mais ou menos 1 metro, perto da janela, mas sem nenhuma marca de pé. Fica difícil imaginar como uma pessoa, do lado de fora, conseguiu causar uma impressão tão terrível no grupo, e não descobrimos um motivo plausível para um atentado tão estranho e complexo. Percebe as nossas dificuldades, Watson?
– São bastante claras – respondi com convicção.
– E mesmo assim, com um pouco mais de material, poderíamos provar que elas não são intransponíveis. Creio que no meio de seu vasto arquivo, Watson, você vai encontrar alguns casos que eram tão estranhos quanto este. Por enquanto vamos deixar o assunto de lado até termos mais alguns dados disponíveis, e vamos dedicar o resto de nossa manhã à perseguição do homem neolítico.
Já devo ter comentado a respeito da capacidade mental do meu amigo em se desligar, mas eu nunca ficara tão admirado com isso como naquela manhã em Cornwall; durante duas horas ele discorreu sobre os celtas, pontas de flechas e cacos de cerâmica com tanta tranqüilidade como se não houvesse um mistério sinistro esperando que ele o esclarecesse.
Só voltamos ao nosso chalé à tarde e encontramos um visitante nos aguardando, e que nos fez pensar novamente no caso. Ninguém precisava nos dizer quem era o visitante. O corpo volumoso, o rosto de traços marcados e rugas profundas, os olhos ferozes e o nariz de águia, os cabelos grisalhos que quase varriam o teto do chalé, a barba – loura nas pontas e branca ao redor dos lábios, a não ser pela mancha de nicotina de seu eterno charuto –, tudo isso era tão conhecido em Londres quanto na África, e só podia ser associado à imponente figura do dr. Leon Sterndale, o grande caçador de leões e explorador.
Sabíamos de sua presença na região e uma ou duas vezes nós o tínhamos visto nas estradas locais. Mas ele não se aproximara de nós, nem nós sequer sonharíamos fazer isso, já que todo mundo sabia que fora seu amor pela solidão que o levara a passar a maior parte dos intervalos entre suas viagens num pequeno bangalô escondido nas matas isoladas de Beauchamp Arriance. Ali entre seus livros e mapas, vivia totalmente solitário, cuidando de si mesmo e aparentemente não se importando com a vida de seus vizinhos. Portanto, foi uma surpresa para mim ouvi-lo perguntar a Holmes, numa voz ansiosa, se meu amigo havia feito algum progresso na reconstituição do misterioso episódio.