Era uma residência grande e clara, mais uma vila do que um chalé, com um jardim grande que, naquela atmosfera de Cornish, já estava cheio de flores da primavera.
Lá estava a janela da sala que dava para o jardim e através dela, de acordo com Mortimer Tregennis, deve ter vindo o mal que, pelo simples horror, num instante arruinara o juízo de seus irmãos. Holmes andou lentamente pelos canteiros e pela alameda, pensativo, antes de entrarmos na casa.
Ele estava tão absorto nos seus pensamentos que, eu me lembro, tropeçou num regador, derramando o conteúdo e molhando nossos pés e o caminho arenoso do jardim. Na casa, fomos atendidos pela velha empregada, sra. Porter, que, ajudada por uma criada jovem, cuidava das necessidades da família. Respondeu prontamente às perguntas de Holmes. Não ouvira nada durante a noite. Seus patrões estavam em excelente estado de espírito nos últimos tempos, e ela nunca os vira mais alegres e satisfeitos. De manhã, ao entrar na sala, desmaiara, horrorizada ao ver o quadro medonho em volta da mesa. Quando recobrou os sentidos, abriu a janela para deixar entrar o ar fresco da manhã, saiu pela estrada e mandou um rapaz que trabalha numa fazenda chamar o médico. A morta estava na cama dela, no segundo andar, caso quiséssemos vê-la. Foram necessários quatro homens fortes para colocar os dois irmãos dementes no carro do hospício. A velha criada não ficaria um dia a mais naquela casa e voltaria naquela mesma tarde para perto de sua família, em St. Ives.
Subimos as escadas e vimos a morta. A srta. Brenda Tregennis fora uma garota muito bonita, embora estivesse agora beirando a meia-idade. Seu rosto moreno, bem delineado, era bonito, mesmo depois de morta, mas ainda havia vestígios da convulsão de terror, sua última emoção humana. Fomos até a sala de jantar, onde ocorrera a tragédia. Na lareira ainda estavam as cinzas carbonizadas. Na mesa, os quatro candelabros e as velas totalmente consumidas, e as cartas de baralho ainda espalhadas. As cadeiras haviam sido encostadas nas paredes, mas as outras coisas estavam na mesma posição da noite anterior. Holmes andou pelo aposento, sentou-se nas várias cadeiras, colocando-as nas posições anteriores.
Do interior, verificou que parte do jardim era possível ver da janela; examinou o chão, o teto e a lareira. Mas em nenhum momento vi no rosto dele o brilho repentino dos olhos e a contração dos lábios que me teriam revelado que vira alguma luz naquela escuridão absoluta.
– Por que uma lareira? – perguntou. – Eles sempre mantinham o fogo aceso nesta sala pequena, nas noites de primavera?
Mortimer Tregennis explicou que a noite estava fria e úmida. Por causa disso, eles acenderam a lareira depois que ele chegou.
– O que vai fazer agora, sr. Holmes? – ele perguntou.
Meu amigo sorriu e pôs a mão no meu braço.
– Eu acho, Watson, que devo voltar a me envenenar com o fumo, coisa que você tem condenado tão freqüentemente e com razão. Com sua permissão, cavalheiros, vamos voltar agora para o nosso chalé, porque eu acho que nenhuma novidade vai aparecer agora. Vou analisar os fatos, sr. Tregennis, e se me ocorrer algo, naturalmente comunicarei ao senhor e ao vigário. Até lá, desejo-lhes um bom dia.
Holmes quebrou seu longo silêncio muito tempo depois de termos voltado ao chalé de Poldhu. Sentara-se encolhido na sua poltrona, com o rosto magro e contemplativo envolto numa nuvem azul de seu cachimbo, as espessas sobrancelhas castanhas e a testa contraídas, os olhos vazios e distantes. Finalmente, deixou de lado o cachimbo e levantou-se.
– Assim não dá, Watson – disse, com uma risada. – Vamos dar uma caminhada pelos campos e procurar setas de pedra. Será mais fácil achá-las do que encontrar pistas para o nosso caso. Deixar o cérebro trabalhar sem alimentá-lo com material suficiente é o mesmo que exigir demais de um motor. Ele se reduz a pedaços. A brisa marinha, a luz do sol, e paciência, Watson... todo o resto virá.