– Nada, do jeito como as coisas aconteceram, mas tudo, se tivessem acontecido de outra maneira. É assim que vejo a situação.
– Entendo; ele podia servir de álibi.
– Exatamente, meu caro Watson, ele podia confirmar um álibi. Vamos supor, só como argumentação, que os criados da Vila Glicínia estivessem conspirando para algum crime. O plano, seja lá o que for, é sair, digamos, antes de uma hora. É possível que, adiantando os relógios, eles tenham feito John Scott Eccles ir para a cama mais cedo do que ele pensava, mas, de qualquer modo, parece que, quando Garcia foi lhe dizer que era uma hora, na verdade não era mais de meia-noite. Se Garcia pudesse fazer o quer que tivesse de fazer, e voltasse na hora mencionada, evidentemente ele teria uma resposta convincente contra qualquer acusação. Ali estava o inglês impecável, pronto para jurar em qualquer tribunal que o acusado estava na casa o tempo todo. Era um seguro contra o pior.
– Sim, sim, estou entendendo. Mas, e o desaparecimento dos outros?
– Ainda não tenho todos os fatos, mas não creio que existam dificuldades insuperáveis. Ainda assim é um erro afirmar alguma coisa diante desses dados. Sem sentir, você acaba torcendo os fatos para que se adaptem às suas teorias.
– E o bilhete?
– O que dizia? “Nossas próprias cores, verde e branco.” Parece tratar-se de corrida de cavalo. “Verde aberto, branco fechado.” Isto é claramente uma indicação. “Escada principal, primeiro corredor, sétima à direita, cortina verde.” É um encontro. Talvez possamos descobrir um marido ciumento no fim disso aí. Com toda certeza era um empreendimento perigoso. Ela não teria dito “Boa sorte” se não fosse perigoso. “D” – isto pode ser uma orientação.
– O homem era espanhol. Eu acho que “D” significa Dolores, um nome de mulher bastante comum na Espanha.
– Bom, Watson, muito bom, mas totalmente inadmissível. Quem escreveu este bilhete certamente é inglês. Um espanhol escreveria a outro em espanhol mesmo. Bem, precisamos ter paciência até que o inspetor volte. Nesse meio-tempo, podemos agradecer ao nosso destino por nos resgatar por algumas horas da insuportável fadiga do tédio.
A resposta ao telegrama de Holmes chegou antes da volta do detetive de Surrey. Sherlock leu o texto e ia guardá-lo no seu caderno quando notou a curiosidade no meu rosto. Jogou-o para mim, dizendo:
– Estamos andando em altas esferas – disse ele.
O telegrama era uma lista de nomes e endereços:
Lorde Harringby, The Dingle; sir George Ffolliott, Oxshott Towers; sr. Hynes Hynes, J. P., Purdey Place; sr. James Baker Williams, Forton Old Hall; sr. Henderson, High Gable; Rev. Joshua Stone, Nether Walsling.
– Esta é uma forma bem prática de limitar nosso campo de operação – disse Holmes. – Sem dúvida, Baynes, com sua mente metódica, já adotou um plano igual.
– Não estou entendendo.
– Bem, meu caro amigo, já chegamos à conclusão de que o bilhete que Garcia recebeu no jantar era um encontro ou uma indicação. Agora, se a interpretação estiver correta, é necessário subir uma escada principal e localizar a sétima porta de um corredor para se chegar ao local indicado; vê-se, portanto, que se trata de um lugar bem grande. Também é certo que a casa não deve ficar a mais de 2 ou 3 quilômetros de Oxshott, já que Garcia estava andando naquela direção e, de acordo com minha interpretação dos fatos, esperava estar de volta à Vila Glicínia a tempo de ter um álibi que valeria até uma hora. Como deve haver poucas casas grandes perto de Oxshott, adotei o método óbvio de telegrafar aos corretores mencionados por Scott Eccles para obter uma lista delas. Estão aqui, neste telegrama, e a outra ponta de nossa meada complicada deve estar entre elas.
Eram quase 18 horas quando chegamos à bela vila de Esher, com o inspetor Baynes nos acompanhando. Holmes e eu havíamos levado coisas para passar a noite e encontramos aposentos confortáveis no Hotel Bull. Finalmente saímos, na companhia do detetive, para nossa visita à Vila Glicínia. Era uma noite escura e fria de março, com o vento cortante e a chuva batendo em nossos rostos, um cenário adequado à região inóspita pela qual passava nosso caminho e ao destino trágico a que nos levava.
2. O Tigre de San Pedro
Depois de uma caminhada gelada e melancólica, chegamos a um portão alto de madeira, que dava para uma avenida sombria de castanheiros. Um caminho sinuoso nos levou até uma casa baixa e escura, que se destacava contra o céu cinza. Vimos uma luz trêmula que saía de uma janela à esquerda da porta.
– Há um policial de plantão – disse Baynes. – Vou bater na janela.
Caminhou pela grama e bateu com os dedos na vidraça. Pude ver, pelo vidro embaçado, um homem dar um pulo da cadeira perto da lareira e escutei um grito áspero vindo de dentro. Pouco depois um policial pálido de susto e ofegante abriu a porta, com uma vela nas mãos que tremiam.
– Qual é o problema, Walters? – perguntou Baynes com rispidez.
O policial enxugou a testa com o lenço e deu um profundo suspiro de alívio.