– Oh! ele exagera o meu auxílio – disse Holmes com displicência. – Ele próprio tem um talento considerável. Tem duas das três qualidades essenciais ao detetive perfeito: capacidade de observação e de dedução. Faltam-lhe conhecimentos, mas isso virá com o tempo. Ele está agora traduzindo os meus pequenos trabalhos para o francês.
– Seus trabalhos?
– Ah, não sabia? – disse ele rindo. – É verdade, cometi o delito de escrever várias monografias. Todas sobre assuntos técnicos. Aqui tem uma, por exemplo: é sobre a
– Você tem um talento especial para os detalhes – observei.
– Dou-lhes um valor muito grande. Esta é a minha monografia sobre pegadas, com algumas observações sobre o uso do gesso para conservar as
– De modo algum – respondi com sinceridade.
– Isto me interessa muito, principalmente desde que o vi aplicar os seus métodos. Mas falou há pouco sobre observação e dedução. Acho que, até um certo ponto, uma influi na outra.
– Sim, talvez... – respondeu, encostando-se voluptuosamente na poltrona e tirando do cachimbo baforadas azuladas. – Por exemplo: a observação me mostra que você esteve esta manhã na agência postal da Wigmore Street e a dedução indica que foi passar um telegrama.
– Exato! Perfeito nos dois pontos! Mas confesso que não sei como chegou a essa conclusão. Foi uma resolução repentina, e não falei sobre isso a ninguém.
– Pois é a própria simplicidade – observou ele, rindo da minha surpresa. – Tão absurdamente simples que qualquer explicação é supérflua; mas, mesmo assim, serve para definir os limites da observação e da dedução. A observação me diz que no peito do seu pé há um pouco de terra avermelhada. Exatamente em frente à agência de Wigmore Street retiraram o calçamento e jogaram terra para fora, que ficou acumulada de uma forma que é impossível passar por ali sem que ela entre pelo sapato. A cor avermelhada da terra, que eu saiba, não se encontra em nenhum outro lugar da vizinhança. Até aqui é a observação. O resto foi dedução.
– E por que deduziu que era um telegrama?
– Porque eu sabia que você não escreveu nenhuma carta, já que fiquei sentado aqui na sua frente a manhã inteira. Estou vendo na sua escrivaninha um grande maço de cartões-postais e uma folha de selos. O que iria fazer no correio, a não ser passar um telegrama? Eliminando todos os outros fatores, o que sobra tem que ser o verdadeiro.
– Neste caso, acertou inteiramente – disse depois de alguns minutos de reflexão. – Mas, como você disse muito bem, o caso é bastante simples. Acha que seria impertinência minha se eu quisesse testar suas teorias num caso mais difícil?
– Pelo contrário – respondeu-me. – Vai até evitar que eu tome uma segunda dose de cocaína. Eu adoraria examinar algum outro problema que você queira me apresentar.
– Ouvi você dizer que é difícil uma pessoa ter um objeto de uso constante sem deixar nele a marca de sua individualidade de tal modo que um bom observador não a descubra. Bem, tenho aqui um relógio que passou a me pertencer há pouco tempo. Quer ter a bondade de dar a sua opinião sobre o caráter ou os hábitos do seu último dono?
Entreguei-lhe o relógio, intimamente divertido com a experiência que eu julgava impossível, e que serviria para dar-lhe uma lição, devido ao tom dogmático que adotava quase sempre. Ele examinou o relógio, olhou atentamente o mostrador, abriu-o e examinou o mecanismo, primeiro a olho nu e depois com uma poderosa lente convexa. Eu mal podia conter o riso diante de sua expressão desanimada, até que fechou a tampa e devolveu-me o relógio.
– Há muito poucos dados – observou. – Limparam o relógio recentemente, e isso me subtraiu o que havia nele de mais sugestivo.
– Tem razão, fizeram uma limpeza nele antes de o mandarem para mim.
No meu íntimo, eu acusava o meu amigo de dar uma desculpa fraca e pouco convincente para encobrir o seu fracasso. Que informações ele poderia obter se não tivessem limpado o relógio?