a aliança de um morto... O que o senhor acha disso, sr. Holmes?
Meu amigo estava sentado com a cabeça apoiada nas mãos, mergulhado em reflexões. Ele então se levantou e tocou a campainha.
– Ames – ele disse, quando o mordomo entrou –, onde está o sr. Cecil agora?
– Vou ver, senhor.
Voltou pouco depois para dizer que o sr. Barker estava no jardim.
– Você se lembra, Ames, o que o sr. Barker estava calçando quando você se encontrou com ele ontem à noite no escritório?
– Sim, sr. Holmes. Estava usando chinelos de feltro. Eu lhe trouxe as botas quando ele ia sair para ir à polícia.
– Onde estão os chinelos agora?
– Ainda estão embaixo da cadeira, no hall.
– Ótimo, Ames. Realmente é importante saber quais são as pegadas do sr. Barker e as pegadas de pessoas que vieram de fora.
– Sim, senhor. Posso dizer que percebi que os chinelos estavam manchados de sangue. E os meus também estavam.
– Isso é muito natural, considerando-se as condições do escritório. Ótimo, Ames. Chamaremos outra vez se precisarmos de você.
Pouco depois estávamos no escritório. Holmes trouxera os chinelos que estavam no hall. Como observara Ames, as solas dos dois pés estavam escuras de sangue.
– Estranho! – Holmes murmurou ao chegar à janela e examinar os chinelos minuciosamente. – Muito estranho mesmo!
Com uma de suas pinças ele colocou o chinelo sobre a mancha de sangue que havia no peitoril. As duas correspondiam perfeitamente. Ele sorriu em silêncio para seus colegas.
O inspetor ficou transfigurado de excitação. Seu sotaque parecia ter ficado mais acentuado ainda.
– Puxa! – ele exclamou – não há a menor dúvida! Barker fez essa marca aí na janela. É muito maior do que a marca de qualquer bota. Lembro-me de que o senhor disse que era um pé chato, e aqui está a explicação. Mas o que houve afinal, sr. Holmes? O que houve?
– Bem, o que houve? – meu amigo repetiu, pensativo.
White Mason ria e esfregava as mãos gordas com uma satisfação profissional.
– Eu disse que era um caso dos grandes! – ele exclamou. – E é mesmo dos grandes!
A primeira luz
Os três detetives tinham muitos detalhes para investigar, de modo que voltei sozinho para nossas modestas acomodações na hospedaria do vilarejo. Mas antes de ir para lá dei uma volta pelo curioso jardim de outros tempos que cercava a casa. Filas de teixos muito antigos, cortados em desenhos estranhos, a rodeavam. Na parte interna havia um bonito gramado com um antigo relógio de sol no centro. Esse cenário tinha um efeito repousante que fazia muito bem aos meus nervos um tanto perturbados. Naquela atmosfera absolutamente tranqüila pode-se esquecer de tudo ou lembrar-se apenas com um fantástico pesadelo daquele escritório sinistro com aquele homem cheio de sangue estendido no chão. Mesmo assim, enquanto eu caminhava pelo jardim e tentava mergulhar a alma nessa calma, ocorreu um estranho incidente que me levou de volta à tragédia e deixou uma impressão sinistra em minha mente.
Eu disse que uma seqüência de teixos orlava o jardim. Na parte que ficava mais distante da casa eles eram menos espaçados e formavam uma cerca viva densa. Do outro lado dessa cerca viva, oculto da visão de quem viesse do lado da casa, havia um banco de pedra. Ao me aproximar do local, ouvi vozes, distinguindo depois a voz grave de um homem e o riso de uma mulher. Pouco depois cheguei ao final da cerca de teixos e meus olhos bateram na sra. Douglas e em Barker antes que eles percebessem a minha presença. A aparência dela chocou-me. Na sala de jantar ela estava séria e discreta. Agora toda a simulação de tristeza desaparecera. Seus olhos brilhavam com a alegria de viver, e o rosto ainda balançava, divertido, por causa de alguma observação engraçada de seu companheiro. Ele estava inclinado para a frente, com as mãos apertadas e os antebraços apoiados nos joelhos, com um sorriso no rosto atrevido e belo. Num instante – mas já tarde demais – eles recolocaram suas máscaras sérias quando me viram. Eles trocaram uma ou duas palavras apressadas e então Barker levantou-se e veio na minha direção.
– Desculpe-me, senhor – ele disse – mas seu nome é dr. Watson?
Eu assenti de modo frio, que mostrou, ouso dizer, de modo bastante claro, a impressão que aquela cena havia causado em mim.
– Achamos que devia ser o senhor, já que sua amizade com o sr. Sherlock Holmes é muito conhecida. O senhor se incomodaria de falar um instante com a sra. Douglas?
Eu o segui de cara fechada. Eu conseguia visualizar nitidamente aquela figura morta lá no chão. Aqui, algumas horas após sua morte, estavam sua esposa e seu melhor amigo rindo atrás de uma moita no jardim que fora dele. Cumprimentei a senhora com reserva. Eu havia me preocupado com a tristeza dela na sala de jantar. Agora eu a olhava com indiferença.
– Receio que o senhor me considere insensível e sem coração – disse ela.
Eu dei de ombros.
– Não é da minha conta – eu disse.
– Talvez algum dia me dê razão. Se o senhor fizesse idéia...