– Não há trem antes das seis da manhã, de modo que ele não pode fugir de trem. Se for pela estrada a pé, com as pernas molhadas, com toda certeza alguém vai estranhar. De qualquer modo, não posso sair daqui até que seja dispensado. E acho que nenhum dos senhores deve sair antes que examinemos mais atentamente tudo isso.
O médico pegou o abajur e estava examinando o corpo mais detidamente.
– Que marcas são essas? – ele perguntou. – Podem ter alguma relação com o crime?
O braço direito do morto estava para fora do roupão, exposto até o cotovelo. Na metade do antebraço havia um curioso desenho marrom, um triângulo dentro de um círculo, destacando-se de modo vivo na pele pálida do cadáver.
– Não é tatuagem – disse o médico, examinando com sua lente. Nunca vi nada igual. Ele é marcado a ferro, como se faz com o gado. O que significa isso?
– Admito que não sei dizer – respondeu Cecil Barker – mas já vi essa marca em Douglas certa vez nos últimos dez anos.
– Eu também – disse o mordomo. – Muitas vezes quando o senhor arregaçava a manga eu percebia essa marca. Sempre fiquei imaginando o que poderia ser.
– Então isso não tem nada a ver com o crime – disse o sargento. – Mesmo assim é muito estranho. Tudo neste caso é estranho. Sim, o que é isso agora?
O mordomo soltara um grito de espanto, e estava apontando para a mão estendida do morto.
– Levaram a aliança dele! – ele disse, ofegante.
– O quê!
– Sim, é verdade! O patrão sempre usava a aliança de ouro maciço no dedo mínimo da mão esquerda. Aquele anel de pedra ficava sobre ela, e o anel com a cobra enrolada, no terceiro dedo. O anel de pedra e o da cobra estão aí, mas a aliança desapareceu.
– Ele tem razão – disse Barker.
– O senhor disse – perguntou o sargento – que o anel de pedra ficava sobre a aliança?
– Sempre!
– Então o assassino, ou quem quer que tenha sido, primeiro tirou este anel que o senhor chama de anel de pedra, depois a aliança, e por fim pôs o anel de pedra no lugar outra vez.
– Exatamente.
O policial sacudiu a cabeça.
– Acho que quanto antes chamarmos Londres para cuidar do caso, melhor – disse ele. – White Mason é um homem esperto. Jamais deixou de resolver sozinho um caso local. Não vai demorar muito para que ele chegue e nos ajude. Mas acho que teremos de chamar Londres. De qualquer modo, não me envergonho de dizer que isso é demais para o meu gosto.
Trevas
Às três da madrugada, o detetive-chefe de Sussex, atendendo ao chamado urgente do sargento Wilson, de Birlstone, chegara à mansão numa pequena carruagem puxada por um cavalo resfolegante. Pelo trem das 5:40h da manhã ele enviara sua mensagem à Scotland Yard e ao meio-dia estava na estação ferroviária de Birlstone esperando por nós. O sr. White Mason era um homem tranqüilo, bem-apessoado, que usava um terno largo de tweed; tinha o rosto corado bem barbeado, o físico robusto, as pernas musculosas muito ágeis e enfiadas em polainas, parecendo um fazendeiro, um guarda-caça aposentado ou qualquer outra coisa, menos um destacado policial de província.
– Temos aí um caso dos grandes, sr. MacDonald – ele ficou repetindo. – Os jornalistas vão ficar em cima de nós feito moscas quando descobrirem isso. Espero que possamos terminar nosso trabalho antes que eles metam o nariz na história e atrapalhem
nossas pistas. Não me lembro de nada parecido com esse caso. Há coisas que vão lhe interessar, sr. Holmes, tenho certeza. E ao senhor também, dr. Watson, porque os médicos darão sua palavra antes de terminarmos. Os senhores ficarão no Westville Arms. Não há outro lugar, mas ouvi dizer que é muito limpo e confortável. O rapaz levará suas bagagens. Por aqui, cavalheiros, por favor.
Um sujeito muito ágil e delicado, esse detetive de Sussex. Em dez minutos todos nós tínhamos nos instalado em nossos quartos. Dez minutos depois já estávamos sentados na sala de estar da hospedaria e ouvíamos um resumo dos fatos que foram mencionados no capítulo anterior. MacDonald de vez em quando fazia uma anotação, enquanto Holmes estava atento, com a expressão de surpresa e admiração reverente com que o botânico examina uma flor rara e preciosa.
– Notável! – ele disse quando a história terminou. – Notável mesmo! Não consigo me lembrar de nenhum caso em que as características fossem mais estranhas.
– Achei mesmo que o senhor iria dizer isso, sr. Holmes – comentou White Mason com satisfação. – Estamos bem avançados em Sussex. Contei-lhes os fatos até a hora em que assumi o controle, depois do sargento Wilson, entre três e quatro horas. Na verdade, fiz a coisa evoluir um pouco! Mas eu não precisava ter vindo com tanta pressa, pois não havia nada de imediato que eu pudesse fazer. O sargento Wilson tinha apurado os fatos. Eu verifiquei tudo, avaliei bem e acrescentaria alguma coisa.
– E o que seria? – Holmes perguntou, ansioso.