– Lá está ela! – exclamei.
– Não, não, senhor, isso não é nada, absolutamente nada! – interrompeu o mordomo. – Garanto-lhe, senhor...
– Mexa a vela de um lado para o outro, Watson! – exclamou o baronete. – Viu, a outra também se move! Agora, seu patife, você nega que isso seja um sinal? Fale, vamos! Quem é o seu cúmplice lá fora, e que conspiração é esta que vem ocorrendo?
O rosto do homem adquiriu uma expressão de desafio.
– Isso é assunto meu, e não seu. Não direi.
– Então você está despedido já.
– Muito bem, senhor. Se tenho de sair, sairei.
– E você sai desacreditado. Com os diabos, você devia ter vergonha de si mesmo. Sua família viveu com a minha durante mais de cem anos sob este teto, e eu encontro você aqui metido em alguma trama misteriosa contra mim.
– Não, não senhor; não, não contra o senhor! – Era uma voz de mulher, e a sra. Barrymore, mais pálida e mais horrorizada do que o marido, estava parada na porta. Sua figura volumosa envolta num xale e numa saia seria cômica se não fosse a intensidade da emoção no seu rosto.
– Temos de ir, Eliza. Isto é o fim de tudo. Você pode arrumar nossas coisas – disse o mordomo.
– Oh, John, John, levei você a isto? A culpa é minha, sir Henry, toda minha. Ele não fez nada, a não ser para mim, e porque eu pedi.
– Fale, então! O que significa isso?
– Meu infeliz irmão está morrendo de fome no pântano. Não podemos deixá-lo morrer em nossos próprios portões. A luz é um sinal para ele de que a comida está pronta, e a luz dele lá fora é para indicar o lugar para onde levá-la.
– Então o seu irmão é...
– O condenado fugido, senhor – Selden, o criminoso.
– Essa é a verdade, senhor – disse Barrymore. – Eu disse que o segredo não me pertencia e que eu não podia contá-lo ao senhor. Mas agora o senhor o ouviu, e verá que se existe uma trama, ela não é contra o senhor.
Esta, então, era a explicação das expedições furtivas à noite e da luz na janela. Sir Henry e eu ficamos olhando espantados para a mulher. Seria possível que esta pessoa imperturbavelmente respeitável tivesse o mesmo sangue que um dos criminosos mais notórios do país?
– Sim, senhor, meu nome era Selden, e ele é meu irmão caçula. Nós o mimamos demais quando ele era menino, e cedemos a ele em tudo até que ele passou a pensar que o mundo fora feito para o prazer dele, e que podia fazer o que quisesse nele. Depois, quando ele cresceu, se meteu com más companhias, e ficou com o diabo no corpo até partir o coração da minha mãe e arrastar o nosso nome na sarjeta. De crime em crime ele afundou cada vez mais, até que só a misericórdia de Deus livrou-o do cadafalso; mas para mim, senhor, ele foi sempre o garotinho de cabelos anelados que criei e com quem brinquei, como uma irmã mais velha faria. Foi por isso que ele fugiu da prisão, senhor. Ele sabia que eu estava aqui e que não iria recusar-me a ajudá-lo. Quando ele se arrastou até aqui uma noite, cansado e esfomeado, com os guardas nos seus calcanhares, o que podíamos fazer? Nós o recebemos, alimentamos e cuidamos dele. Depois o senhor voltou, e meu irmão achou que ficaria mais seguro no pântano do que em qualquer outro lugar até passar o clamor público, de modo que ficou escondido ali. Mas de duas em duas noites nós nos certificávamos de que ele ainda estava lá pondo uma luz na janela e, se houvesse resposta, meu marido levava um pouco de pão e carne para ele. Cada dia esperávamos que ele tivesse ido embora, mas enquanto ele estivesse ali, não podíamos abandoná-lo. Essa é toda a verdade, já que sou uma mulher cristã honesta, e o senhor verá que, se há culpa no caso, ela não é do meu marido, mas minha, porque foi por mim que ele fez tudo isso.
As palavras da mulher saíram com grande seriedade e impregnadas de convicção.
– Isto é verdade, Barrymore?
– Sim, sir Henry. Cada palavra.
– Bem, não posso culpá-lo por apoiar sua própria mulher. Esqueça o que eu disse. Vão para o seu quarto, vocês dois, e falaremos mais sobre este assunto de manhã.
Depois que eles foram embora, olhamos pela janela outra vez. Sir Henry a abrira, e o vento frio da noite bateu em nossos rostos. Ao longe, na distância negra, ainda brilhava aquele ponto minúsculo de luz amarela.
– Fico imaginando como ele se atreve – disse sir Henry.
– Ela deve estar colocada de maneira que só possa ser vista daqui.
– É bem provável. A que distância você acha que está?
– Longe, junto à Rocha da Fenda, eu acho.
– Entre 1,5 a 3 quilômetros de distância.
– Mal chega a tanto.
– Bem, não pode ser longe, se Barrymore tinha de levar a comida até lá. E ele está esperando, esse vilão, ao lado daquela vela. Com os diabos, Watson, eu vou sair para pegar esse homem!