Trazei, pajens; trazei, virgens; trazei servos e servas, as taças, as salvas e as grinaldas para o festim a que a Morte assiste! Trazei-as e vinde de negro, com a cabeça coroada de mirtos.
Mandrágora seja o que tragais nas taças, El nas salvas, e as grinaldas sejam de violetas El, das flores todas que lembrem a tristeza.
Vai o Rei a jantar com a Morte, no seu palácio antigo, à beira do lago, entre as montanhas, longe da vida, alheio ao mundo.
Sejam de instrumentos estranhos, cujo mero som faça chorar, as orquestras que se preparam para a festa. Os servos vistam librés sóbrias, de cores desconhecidas, faustosos e simples como os catafalcos dos heróis.
E antes que o festim comece, passe pelas alamedas dos grandes parques o grande cortejo medieval de púrpuras mortas, o grande cerimonial silencioso em marcha, como a beleza num pesadelo.
A Morte é o triunfo da Vida!
Pela morte vivemos, porque só somos hoje porque morremos para ontem. Pela morte esperamos, porque só podemos crer em amanhã pela confiança na morte de hoje. Pela Morte vivemos quando sonhamos, porque sonhar é negar a vida. Pela morte morremos quando vivemos, porque viver é negar a eternidade! A Morte nos guia, a morte nos busca, a morte nos acompanha. Tudo o que temos é morte, tudo o que queremos é morte, é morte tudo o que desejamos querer.
Uma brisa de atenção percorre as alas.
Ei-lo que vai chegar, com a morte que ninguém vê e a que não chega nunca.
Arautos, tocai! Atendei!
O teu amor pelas coisas sonhadas era o teu desprezo pelas coisas vividas.
Rei-Virgem que desprezaste o amor, Rei-Sombra que desdenhaste a luz, Rei-Sonho que não quiseste a vida!
Entre o estrépito surdo de címbalos e atabales, a Sombra te aclama Imperador!
Máximas
— Ter opiniões definidas e certas, instintos, paixões e carácter fixo e conhecido — tudo isto monta ao horror de tornar a nossa alma um facto, de a materializar e tornar exterior. Viver num doce e fluido estado de desconhecimento das coisas e de si próprio é o único modo de vida que a um sábio convém e aquece.
— Saber interpor-se constantemente entre si próprio e as coisas é o mais alto grau de sabedoria e prudência.
— A nossa personalidade deve ser indevassável, mesmo por nós próprios: daí o nosso dever de sonharmos sempre, e incluirmo-nos nos nossos sonhos, para que nos não seja possível ter opiniões ao nosso respeito.
E especialmente devemos evitar a invasão da nossa personalidade pelos outros. Todo o interesse alheio por nós é uma indelicadeza ímpar. O que desloca a vulgar saudação — como está? — de ser uma indesculpável grosseria é o ser ela em geral absolutamente oca e insincera.
— Amar é cansar-se de estar só: é uma cobardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos).
— Dar bons conselhos é insultar a faculdade de errar que Deus deu aos outros. E, para além do mais, os actos alheios devem ter a vantagem de não serem também nossos. Apenas é compreensível que se peça conselhos aos outros para saber bem, ao agir ao contrário, que somos bem nós, bem em desacordo com a Outragem.
— A única vantagem de estudar é gozar o quanto os outros não disseram.
— A arte é um isolamento. Todo o artista deve buscar isolar os outros, levar-lhes às almas o desejo de estarem sós. O triunfo supremo de um artista é quando ao ler suas obras o leitor prefere tê-las e não as ler. Não é porque isto aconteça aos consagrados; é porque é o maior tributo
— Ser lúcido é estar indisposto consigo próprio, O legítimo estado de espírito com respeito a olhar para dentro de si próprio é o estado de quem olha nervos e indecisões.
— A única atitude intelectual digna de uma criatura superior é a de uma calma e fria compaixão por tudo quanto não é ele próprio. Não que essa atitude tenha o mínimo cunho de justa e verdadeira; mas é tão invejável que é preciso tê-la.
Milímetros
(sensações de coisas mínimas)
Como o presente é antiquíssimo, porque tudo, quando existiu foi presente, eu tenho para as coisas, porque pertencem ao presente, carinhos de antiquário, e fúrias de colecionador precedido para quem me tira os meus erros sobre as coisas com plausíveis, e até verdadeiras, explicações científicas e baseadas.