Na noite seguinte encontraram abrigo dentro do esqueleto carbonizado de um septo, numa aldeia queimada chamada Brotadança. Só restavam estilhaços de suas janelas de vitral, e o idoso septão que os acolheu disse que os saqueadores tinham até levado as caras vestes da Mãe, a lanterna dourada da Velha e a coroa de prata que o Pai usava.
– Também cortaram os seios da Donzela, embora fossem só de madeira – disse-lhes. – E os olhos, os olhos eram de jade, lápis-lazúli e madrepérola, arrancaram-nos com as facas. Que a Mãe tenha piedade de todos eles.
– Isso foi obra de quem? – perguntou Limo Manto Limão. – Saltimbancos?
– Não – respondeu o velho. – Eram nortenhos. Selvagens que adoram árvores. Disseram que procuravam o Regicida.
Arya ouviu-o e mordeu o lábio. Sentiu Gendry observá-la. Isso a deixou zangada e envergonhada.
Havia uma dúzia de homens vivendo nas galerias por baixo do septo, por entre teias de aranha, raízes e barris de vinho quebrados, mas também não tinham notícia de Beric Dondarrion. Nem mesmo o chefe, que usava uma armadura enegrecida pela fuligem e um tosco relâmpago no manto. Quando Barba-Verde viu Arya a fitá-lo, riu e disse:
– O senhor do relâmpago está em todo lado e em lado algum, esquilo magricela.
– Não sou um esquilo – disse ela. – Vou ser quase uma mulher em breve. Vou fazer onze anos.
– Então é melhor ter cuidado para que eu não me case com você! – tentou fazer cócegas nela sob o queixo, mas Arya afastou sua estúpida mão com uma pancada.
Naquela noite, Limo e Gendry jogaram dominó com seus anfitriões, enquanto Tom Sete-Cordas cantava uma canção boba sobre Ben Barrigudo e o ganso do Alto Septão. Anguy deixou Arya experimentar o arco, mas por mais que ela mordesse o lábio, não conseguia puxá-lo.
– Precisa de um arco mais leve, senhora – disse o arqueiro sardento. – Se houver madeira seca em Correrrio, talvez faça um para você.
Tom ouviu-o e interrompeu a canção.
– É um imbecil, Arqueiro. Se formos a Correrrio, será só para recolher o resgate dela, não vai haver tempo para andar por lá fazendo arcos. Fique contente se sair com o couro inteiro. Lorde Hoster já enforcava homens fora da lei quando você ainda nem se barbeava. E aquele filho dele... eu sempre digo que um homem que odeia música não é de confiança.
– Não é música que ele odeia – disse Limo. – É você, palerma.
– Bem, não tem motivo para isso. A garota estava disposta a fazer dele um homem, será culpa minha que tenha bebido demais para tratar do assunto?
Limo fungou através de seu nariz quebrado.
– Foi você quem fez uma canção sobre isso, ou terá sido outro burro qualquer apaixonado pela própria voz?
– Só a cantei daquela vez – protestou Tom. – E quem disse que a canção era sobre ele? Era sobre um peixe.
– Um peixe murcho – disse Anguy, rindo.
Arya não queria saber sobre o que eram as estúpidas canções de Tom. Virou-se para Harwin.
– O que ele quis dizer com aquilo do resgate?
– Temos uma grande falta de cavalos, senhora. E também de armaduras. Espadas, escudos, lanças. Tudo aquilo que as moedas podem comprar. Sim, e sementes para plantar. O inverno está chegando, lembra? – tocou-lhe sob o queixo. – Não será a primeira cativa de elevado nascimento que resgatamos. Nem a última, espero eu.
Arya sabia que aquilo era verdade. Os cavaleiros andavam sempre sendo capturados e resgatados, e às vezes as mulheres também.
No dia seguinte chegaram a um local chamado Coração Alto, um monte tão elevado que de seu cume parecia a Arya que era possível ver metade do mundo. Em volta desse cume havia um anel de enormes tocos brancos, tudo que restava de um círculo de majestosos represeiros. Arya e Gendry caminharam em volta do monte para contá-los. Havia trinta e um, e alguns eram tão largos que poderiam tê-los usado como cama.
O Coração Alto fora sagrado para os filhos da floresta, contou-lhe Tom Sete-Cordas, e parte de sua magia permanecia no local.
– Nenhum mal pode acontecer àqueles que aqui dormem – disse o cantor.
Arya pensou que devia ser verdade; o monte era tão alto e as terras que o cercavam eram tão planas que nenhum inimigo poderia se aproximar sem ser visto.
Tom disse-lhe que o povo das redondezas evitava o lugar; dizia-se que estava assombrado pelos fantasmas dos filhos da floresta que tinham morrido ali quando o rei ândalo chamado Errog, o Fratricida, derrubou o seu bosque. Arya sabia algo sobre os filhos da floresta e também sobre os ândalos, mas fantasmas não a assustavam. Quando era pequena, costumava esconder-se nas criptas de Winterfell e brincava de entra-no-meu-castelo e de monstros entre os reis de pedra sentados em seus tronos.