Pelo que apuramos, a comunidade não possui nome ou registro como sociedade beneficente. Mas, para o advogado Sheldon Williams, isso não é necessário: “estamos em um país livre, as pessoas podem se reunir em recintos fechados para eventos sem fins lucrativos, desde que isso não incentive a quebra de qualquer lei de nosso código civil, como seria a incitação ao racismo, ou consumo de entorpecentes”.
A Sra. Khalil rejeitou enfaticamente qualquer possibilidade de interromper os seus cultos por causa dos distúrbios.
“Formamos um grupo para nos encorajar mutuamente, já que é muito difícil enfrentar sozinhos as pressões da sociedade”, comentou. “Exijo que o seu jornal denuncie esta pressão religiosa que viemos sofrendo ao longo de todos estes séculos. Sempre que não fazemos as coisas de acordo com as religiões instituídas e aprovadas pelo Estado, somos reprimidos — como tentaram fazer 338
hoje. Acontece que antes caminhávamos para o calvário, para as prisões, para as fogueiras, para o exílio. Mas agora temos condições de reagir, e a força será respondida com a força, da mesma maneira que a compaixão também será paga com compaixão.”
Ao ser confrontada com as acusações do Reverendo Buck, ela acusou-o de “manipular seus fiéis, usando a intolerância como pretexto, e a mentira como arma para ações violentas”.
Segundo o sociólogo Arthaud Lenox, fenômenos como este tendem a se repetir nos próximos anos, possivelmente envolvendo confrontações mais sérias entre religiões estabelecidas. “No momento em que a utopia marxista provou sua total incompetência para canalizar os ideais da sociedade, o mundo agora se volta para um despertar religioso, fruto do pavor natural da civilização pelas datas redondas. Entretanto, acredito que, quando o ano 2000 chegar e o mundo continuar existindo, o bom senso prevalecerá, e as religiões voltarão a ser apenas um refúgio para gente mais fraca, que está sempre em busca de guias.”
A opinião é contestada por D. Evaristo Piazza, bispo auxiliar do Vaticano no Reino Unido: “o que vemos surgir não é um despertar espiritual que todos nós ansiamos, mas uma onda daquilo que os americanos chamam de Nova Era, espécie de caldo de cultura onde tudo é permitido, os dogmas não são respeitados, e as idéias mais absurdas do passado voltam a assolar a mente humana. Pessoas inescrupulosas como esta senhora estão tentando infundir suas idéias falsas em mentes fracas e sugestionáveis, com o único objetivo de lucro financeiro e poder pessoal”.
O historiador alemão Franz Herbert, atualmente fazendo estágio no Instituto Goethe de Londres, tem uma idéia diferente.
“As religiões estabelecidas deixaram de responder as questões fundamentais do homem — como sua identidade e sua razão de viver.
Em vez disso, se concentraram apenas em uma série de dogmas e normas voltadas para uma organização social e política. Desta maneira, as pessoas em busca de uma espiritualidade autêntica estão partindo em direção a novos rumos; isso significa, sem 339
dúvida nenhuma, uma volta ao passado e aos cultos primitivos, antes destes cultos serem contagiados pelas estruturas de poder.”
No posto policial onde a ocorrência foi registrada, o Sargento William Morton informou que caso o grupo de Sherine Khalil resolva realizar sua reunião na próxima segunda-feira e achar que está sendo ameaçada, deve solicitar por escrito proteção policial, evitando que os incidentes se repitam.
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Li a reportagem no avião quando voltava da Ucrânia cheio de dúvidas. Não tinha ainda conseguido saber se a tragédia de Chernobyl sido realmente grande, ou fora usada pelos grandes produtores de petróleo para inibir o uso de outras fontes de energia.
Fiquei assustado com o artigo que tinha em mãos. As fotos mostravam algumas vitrines quebradas, um Reverendo Buck colérico, e — ali estava o perigo — uma bela mulher, com olhos de fogo, abraçada ao seu filho. Entendi imediatamente o que poderia acontecer de bom e de ruim. Fui direto do aeroporto para Portobello, convencido de que ambas as minhas previsões se transformariam em realidade.
No lado positivo, a reunião da segunda-feira seguinte foi um dos eventos de maior sucesso na história do bairro: veio gente de todo o bairro, algumas curiosas para encontrar a tal entidade mencionada na matéria, outras com cartazes defendendo a liberdade de culto e de expressão. Como o lugar não comportava mais de duzentas pessoas, a multidão ficou espremida na calçada, esperando ao menos um olhar daquela que parecia ser a sacerdotisa dos oprimidos.
Quando ela chegou, foi recebida com palmas, bilhetes, pedidos de socorro; algumas pessoas lhe atiraram flores, e uma 340
senhora, de idade indefinida, pediu que continuasse a lutar pela liberdade das mulheres, pelo direito de adoração da Mãe.