— Não se trata disso; deixei biologia porque queria trabalhar como ferreiro. Desde criança era fascinado por aqueles homens martelando o aço, compondo uma música estranha, espalhando 330
fagulhas ao redor, colocando o ferro em brasa na água, criando nuvens de vapor. Eu era um biólogo infeliz, porque meu sonho era fazer o metal rígido ganhar formas suaves. Até que um dia apareceu um protetor.
— Um protetor?
— Digamos que, ao ver estas formigas fazendo exatamente o que estão programadas para fazer, você exclame: que fantástico! Os guardas são geneticamente preparados para sacrificar-se pela rainha, os operários carregam folhas dez vezes mais pesadas que eles, os engenheiros preparam túneis que resistem a tempestades e inundações. Entram em batalhas mortais com seus inimigos, sofrem pela comunidade, e jamais se perguntam: o que estamos fazendo aqui?
“Os homens tentam imitar a sociedade perfeita das formigas, e eu como biólogo estava cumprindo meu papel, até que alguém apareceu com esta pergunta:
“‘Você está contente com o que faz?’
“‘Eu disse: claro que estou, sou útil ao meu povo.’
“‘E isso basta?’
“Eu não sabia se bastava, mas disse que ele me parecia uma pessoa arrogante e egoísta.
“Ele respondeu: ‘pode ser. Mas tudo que você conseguirá é continuar repetindo o que vem sendo feito desde que o homem se entende por homem — manter as coisas organizadas’.
“‘Mas o mundo progrediu’, respondi. Ele perguntou se eu sabia história — claro que sabia. Fez outra pergunta: há milhares de anos já não éramos capazes de construir grandes edifícios, como as pirâmides? Não éramos capazes de adorar deuses, de tecer, de fazer fogo, de arranjar amantes e esposas, de transportar mensagens escritas? Claro que sim. Mas, embora nos tivéssemos organizado para substituir os escravos gratuitos por escravos com salário hoje em dia, todos os avanços tinham acontecido apenas no campo da ciência. Os seres humanos ainda continuavam com as mesmas perguntas de seus ancestrais. Ou seja —
não tinham evoluído absolutamente nada. A partir deste momento, 331
entendi que aquela pessoa que me fazia tais perguntas era alguém enviado pelo céu, um anjo, um protetor.”
— Por que o chama de protetor?
— Porque me disse que existiam duas tradições: uma que nos faz repetir a mesma coisa através dos séculos. A outra que nos abre a porta do desconhecido. Mas esta segunda tradição é incômoda, desconfortável, e perigosa, porque, se tiver muitos adeptos, terminará destruindo a sociedade que custou tanto para ser organizada tendo como exemplo as formigas. Portanto, esta segunda tradição tornou-se secreta, e só conseguiu sobreviver tantos séculos porque seus adeptos criaram uma linguagem oculta, através de símbolos.
— Você perguntou mais?
— Evidente, porque, embora eu negasse, ele sabia que eu não estava satisfeito com o que fazia. Meu protetor comentou:
“tenho medo de dar passos que não estão no mapa, mas, apesar dos meus terrores, no final do dia a vida me parece muito mais interessante”.
“Insisti sobre a tradição, e ele disse algo como
‘enquanto Deus for apenas homem, teremos sempre alimento para comer e casa para morar. Quando a Mãe finalmente reconquistar sua liberdade, talvez tenhamos que dormir ao relento e viver de amor, ou talvez sejamos capazes de equilibrar emoção e trabalho’.
“O homem que viria a ser meu protetor, me perguntou:
‘se você não fosse biólogo, o que seria?’.
“Eu disse: ‘ferreiro, mas não dá dinheiro’. Ele respondeu: ‘pois quando se cansar de ser o que não é, vá divertir-se e celebrar a vida, batendo com um martelo em um ferro. Com o tempo, descobrirá que isso lhe dará mais do que prazer: lhe dará um sentido’.
“‘Como sigo esta tradição de que você falou?’
“‘Já disse, pelos símbolos’, respondeu ele. ‘Comece fazendo o que quer, e tudo o mais lhe será revelado. Acredite que Deus é mãe, cuida dos seus filhos, jamais deixa que nenhum mal lhe aconteça. Eu fiz isso, e sobrevivi. Descobri que existem 332
outras pessoas que também fazem isso — mas são confundidas com loucas, irresponsáveis, supersticiosas. Procuram na natureza a inspiração que está ali, desde que o mundo é mundo. Construímos pirâmides, mas também desenvolvemos símbolos.’
“Tendo dito isso, foi embora e nunca mais o vi.
“Sei apenas que, a partir daquele momento, os símbolos começaram a aparecer porque meus olhos tinham sido abertos por aquela conversa. Custou muito, mas certa tarde disse à minha família que, embora eu tivesse tudo que um homem sonha, estava infeliz — na verdade, tinha nascido para ser ferreiro. Minha mulher reclamou, dizendo: você que nasceu cigano, que teve que enfrentar tantas humilhações para chegar onde chegou, agora vai querer voltar atrás? Meu filho ficou contentíssimo, porque também gostava de ver os ferreiros em nossa aldeia, e detestava os laboratórios das grandes cidades.