Telefonei para Heron, e perguntei por que estava tão interessado. Pela primeira vez me contou sobre o que se passara no teatro, como as pessoas haviam reagido de maneira espontânea, mas inesperada, a um comando. Impossível arrancar mais informações de minha filha, de modo que resolvi consultar especialistas.
Ninguém parecia dar muita atenção ao assunto, até que encontrei François Shepka, um psicólogo indiano (
Ficou entusiasmado com o tema, mas não o abordou imediatamente. Disse que para um dos mais respeitados psicanalistas da história, o suíço Carl Gustav Jung, nós todos bebemos em uma mesma fonte. Chama-se “alma do mundo”; embora sempre tentemos ser indivíduos independentes, uma parte de nossa memória é a mesma. Todos buscam o ideal da beleza, da dança, da divindade, da música.
A sociedade, entretanto, se encarrega de definir como estes ideais vão se manifestar no plano real. Assim, por exemplo, hoje em dia o ideal de beleza é ser magra, enquanto há milhares de anos as imagens das deusas eram gordas. O mesmo acontece com a 292
felicidade: existe uma série de regras que, se você não seguir, seu consciente não aceitará a idéia de que é feliz.
Jung costumava classificar o progresso individual em quatro etapas: a primeira era a Persona — máscara que usamos todos os dias, fingindo quem somos. Acreditamos que o mundo depende de nós, que somos ótimos pais e nossos filhos não nos compreendem, que os patrões são injustos, que o sonho do ser humano é não trabalhar nunca e passar a vida inteira viajando.
Muitas pessoas se dão conta que algo está errado nesta história: mas, como não querem mudar nada, terminam afastando rapidamente o assunto de suas cabeças. Algumas poucas procuram entender o que está errado, e terminam encontrando a Sombra.
A Sombra é o nosso lado negro, que dita como devemos agir e nos comportar. Quando tentamos nos livrar da Persona, acendemos uma luz dentro de nós, e vemos as teias de aranha, a covardia, a mesquinhez. A Sombra está ali para impedir nosso progresso — e geralmente consegue, voltamos correndo para ser quem éramos antes de duvidar. Entretanto, alguns sobrevivem a este embate com suas teias de aranha, dizendo: “sim, tenho uma série de defeitos, mas sou digno, e quero ir adiante”.
Neste momento, a Sombra desaparece, e entramos em contato com a Alma.
Por Alma, Jung não está definindo nada religioso; fala de uma volta à tal Alma do Mundo, fonte do conhecimento. Os instintos começam a se tornar mais aguçados, as emoções são radicais, os sinais da vida são mais importantes que a lógica, a percepção da realidade já não é tão rígida. Começamos a lidar com coisas com as quais não estamos acostumados, passamos a reagir de maneira inesperada para nós mesmos.
E descobrimos que, se conseguirmos canalizar todo este jorro de energia contínua, vamos organizá-lo em um centro muito sólido, que Jung chama de O Velho Sábio para os homens, ou a Grande Mãe para as mulheres.
Permitir esta manifestação é algo perigoso.
Geralmente, quem chega ali, tem a tendência a considerar-se 293
santo, domador de espíritos, profeta. É preciso muita maturidade para entrar em contato com a energia do Velho Sábio ou da Grande Mãe.
— Jung enlouqueceu — disse meu amigo, depois de me explicar as quatro etapas descritas pelo psicanalista suíço. —
Quando entrou em contato com seu Velho Sábio, começou a dizer que era guiado por um espírito, chamado Philemon.
— E finalmente...
— ... chegamos no símbolo do umbigo. Não apenas as pessoas, mas as sociedades são constituídas destes quatro passos.
A civilização ocidental tem uma Persona, idéias que nos guiam.
“Em sua tentativa de adaptar-se às mudanças, entra em contato com a Sombra — vemos as grandes manifestações de massa, onde a energia coletiva pode ser manipulada tanto para o bem como para o mal. De repente, por alguma razão, a Persona ou a Sombra já não satisfazem os seres humanos — e é chegado o momento de um salto, onde há uma conexão inconsciente com a Alma. Novos valores começam a surgir.
— Notei isso. Tenho reparado o ressurgir do culto da face feminina de Deus.