– Olá, detetive – respondo.
As suas sobrancelhas juntam-se.
– Soube do que aconteceu à Wendy Garrick?
– Sim. Deu nas notícias.
– Deve saber – diz – que, no seu bilhete de suicídio, ela confessou também o homicídio do senhor Garrick. Permito-me um ligeiríssimo sorriso.
-Já não sou suspeita, então?
– Na verdade... – responde, recostando-se na sua cadeira de plástico, que range sob o seu peso. – Já tinha deixado de ser suspeita. Acontece que havia uma câmara na entrada das traseiras de que ninguém sabia. Examinámos as gravações e parece que a menina nunca esteve
sequer no prédio ao mesmo tempo que o senhor Garrick.
– Certo. A Wendy montou-me uma cilada.
Este tempo todo, havia uma câmara. Todo o pânico e stresse dos dois últimos dias... e a prova da minha inocência estava logo ali desde o começo.
Ele anui.
– É o que parece. Por isso, quero pedir-lhe desculpa. Compreende como poderíamos pensar que era a menina a responsável pelo homicídio.
– Claro. Tenho registo criminal, portanto, se um crime foi cometido, devo ter sido eu a fazê-lo.
Ramirez tem a graça de parecer envergonhado.
– É verdade que tirei algumas conclusões precipitadas, mas tem de admitir que as coisas não pareciam boas para o seu lado. E a Wendy Garrick insistia tanto em como tinha de ser a responsável.
Tem razão. Ela fez um bom trabalho ao armar-me a cilada. Mas, se tivesse sido um pouco mais esperta, não teria de o fazer de todo. Em última instância, a Wendy Garrick dificultou muito mais a sua própria vida do que necessitava. Podia ter aprendido muito comigo.
Ainda assim, toda esta experiência amargou-me. Ao longo dos anos, ajudei muitas mulheres e, apesar de as coisas nem sempre correrem conforme o planeado, sempre senti que estava a travar o bom combate. Quando me procuravam à procura de auxílio, nunca sentia qualquer hesitação em fazer o que estava certo.
Mas, agora, começo a questionar-me. A Wendy parecia verdadeiramente uma vítima. Depois desta experiência, vai ser difícil confiar na próxima pessoa que procurar a minha ajuda. E essa é uma das coisas por que mais rancor lhe guardo.
-Já não sou suspeita, então? – pergunto a Ramirez.
– Correto. No que me diz respeito, o caso está encerrado.
O Douglas está morto. Sabem que a Wendy foi a responsável. E também está morta. Não é necessária uma investigação, nem mais detenções ou um julgamento. Estou livre.
– Então, não compreendo. Por que estou aqui?
– Bem... – Ramirez esboça um sorriso acanhado. – Acontece que tem uma certa reputação.
– Reputação? – O meu estômago revolve-se ligeiramente. Isto não soa bem. – De quê?
– De heroína.
– De... desculpe?
– Reconheço que julgava estar a tentar ajudar a senhora Garrick – diz – porque já ajudou outras mulheres antes. E quero que saiba que é apreciado. Vemos algumas coisas más por aqui, e às vezes chegamos demasiado tarde às vítimas.
O seu comentário acerta em cheio. Fiz todos os possíveis para evitar que alguma vez fosse «demasiado tarde». E onde quer que o futuro me leve – como empregada doméstica ou como assistente social – vou continuar a fazê-lo.
– Eu... faço o melhor que posso com os recursos que tenho.
– Compreendo isso – sorri-me. – E só quero que saiba que me pode considerar mais um recurso. Quero que fique com o meu cartão e, se alguma vez vir alguma situação em que uma mulher esteja em perigo, quero que me ligue imediatamente. Escrevi o meu número de telemóvel na parte de trás. Desta vez, prometo que acreditarei em si.
Faz deslizar o cartão sobre a mesa. Agarro-o, olhando para o seu nome. Benito Ramirez. Finalmente – um amigo na polícia. Mal posso acreditar.
– Só para que fique claro, não está a fazer-se a mim, certo?
Atira a cabeça para trás e ri.
– Não. Sou demasiado velho para si. E parto do princípio de que esteja com aquele sujeito italiano que veio ontem à esquadra armar um escândalo por sua causa, sobre como tínhamos a pessoa errada e não sairia daqui enquanto não ouvíssemos o que tinha para dizer. Pensei que íamos ter de prender o homem.
Sorrio para comigo.
– A sério?
– Oh, sim. Na verdade, está lá fora agora mesmo. Recusa-se a sair da sala de espera enquanto não a vir.
– Bem, então – digo, ainda incapaz de apagar o sorriso do meu rosto (embora não esteja realmente a tentar) –, suponho que vou andando.
Quando me levanto, Ramirez faz o mesmo. Estende-me a mão e eu aperto-a. Em seguida, saio para ver o Enzo e ir finalmente para casa.
Epílogo
MILLIE
Três meses depois
Não compreendo como tinha o Enzo tanta coisa naquele seu pequeno estúdio.
Entra no meu apartamento com o que parece ser a sua caixa de pertences número dez milhões e deposita-a em cima de outra caixa. Sim, está bem, não é uma tortura ver o Enzo carregar caixas, os músculos dos seus braços intumescidos sob a sua T-shirt, mas, por amor de Deus, o que está em todas aquelas caixas? O homem parece alternar entre umas sete ou oito T-shirts e dois pares de calças de ganga. O que mais pode ter?
– É tudo? – pergunto-lhe, enquanto limpa o suor da testa.
– Não. Há mais duas.
– Mais duas!