– Exatamente. Vocês gostariam de contar aos outros como morreram. Não adiantaria escrever em papel. Isto seria descoberto. Se vocês escrevessem na parede, alguém poderia dar com os olhos no que vocês tivessem escrito. Agora, vejam aqui! Exatamente acima do rodapé está rabiscado, com lápis cor púrpura indelével. “Nós fo...”. Isto é tudo.
– Como é que vocês interpretariam isso?
– Bem, isto está apenas 30 centímetros acima do assoalho. O pobre-diabo estava no chão, morrendo, quando escreveu isto. Perdeu os sentidos antes de conseguir terminar.
– Ele estava escrevendo: “Nós fomos assassinados”.
– Foi assim que interpretei isto. Se vocês encontrarem um lápis indelével junto ao corpo...
– Procuraremos, esteja certo. Mas, e aqueles títulos da dívida pública? Evidentemente não houve roubo nenhum. Mas ele tinha esses títulos. Nós verificamos isso.
– Podem ter certeza de que ele os escondeu num lugar seguro. Quando a fuga da mulher já tivesse entrado para a história, ele os descobriria de repente e divulgaria que o casal culpado se havia compadecido dele e enviado de volta o que roubara ou o que havia abandonado no caminho.
– O senhor parece ter enfrentado todas as dificuldades – disse o inspetor. – Naturalmente ele foi obrigado a recorrer a nós, mas por que ele foi procurá-lo, não consigo entender.
– Pura pretensão! – respondeu Holmes. – Ele se considerava tão inteligente e estava tão seguro de si que imaginava que ninguém poderia pegá-lo. Ele podia dizer a cada vizinho: “Olhe as providências que eu tomei. Consultei não só a polícia, mas até Sherlock Holmes”.
O inspetor riu.
– Devemos perdoá-lo pelo “até”, sr. Holmes – ele disse –, é o trabalho mais bem feito de que consigo me lembrar.
Dois dias depois, meu amigo mostrou-me a publicação quinzenal North Surrey Observer. Sob uma série de títulos inflamados que começavam com “O Horror do Haven” e terminavam com “Brilhante Investigação Policial”, havia uma coluna impressa que dava o primeiro relato completo do caso. O parágrafo final era típico do todo. Dizia o seguinte:
A notável perspicácia com que o inspetor MacKinnon deduziu, pelo cheiro de tinta, que algum outro cheiro, o de gás, por exemplo, podia ter sido dissimulado; a dedução ousada de que o quarto-forte podia ser também a câmara da morte, e a subseqüente investigação que levou à descoberta dos corpos num poço abandonado, habilmente disfarçado por um canil, ficará na história do crime como um exemplo da inteligência dos nossos detetives profissionais.
– Bem, bem, MacKinnon é um bom sujeito – disse Holmes com um sorriso tolerante. – Você pode incluí-lo nos seus arquivos, Watson. Algum dia a verdadeira história será contada.
Biografia do Autor
Arthur Conan Doyle, filho de aristocratas irlandeses arruinados, nasceu em 22 de maio de 1859, em Edimburgo, capital da Escócia. Filho de uma família católica, iniciou seus estudos com os jesuítas de Stonyhurt. Em outubro de 1876, ingressou na Universidade de Edimburgo a fim de formar-se em medicina. Foi lá que conheceu o dr. Joseph Bell, cirurgião do Hospital de Edimburgo e professor na universidade, cujos surpreendentes métodos de dedução e análise serviram de grande inspiração na futura criação de seu detetive. De maneira similar a Holmes, dr. Bell descrevia os sintomas de seus pacientes, até mesmo contava-lhes detalhes de suas vidas, antes que eles pronunciassem uma palavra sequer.
Incentivado pelos conselhos de um amigo, que comentara como suas cartas eram expressivas, Conan Doyle percebeu que poderiam ganhar algum dinheiro fora do campo da medicina. Foi então que escreveu sua primeira história, “O mistério de Sassassa Valley”, publicada, anonimamente, no Chamber’s Journal, em 1879. O conto revela sua precoce idéia da aparição de uma “besta demoníaca”, tema que ele mais tarde explorou na mais famosa história de Sherlock Holmes, O cão dos Baskervilles.
Foi nas horas de ócio em seu consultório médico que Doyle começou a esboçar o personagem. Inspirado em Gaboriau, no detetive Dupin – de Edgar Allan Poe – e logicamente em seu tutor Joseph Bell, Conan Doyle criou a primeira versão do que seria o detetive que conhecemos hoje – um tal Sherringford Holmes, posteriormente Sherlock Holmes.
Depois de muitas tentativas e frustrações, Doyle conseguiu que sua primeira história estrelando o detetive e seu escudeiro Watson fosse publicada. Um estudo em vermelho apareceu na Beeton’s Christmas Annual, em 1887. A boa aceitação do público levou-o a escrever a segunda história de Holmes, O sinal dos quatro. O detetive começava a chamar a atenção, atraindo aos poucos fiéis leitores.
Nos intervalos das histórias, Doyle dedicou-se ao que considerava “obras mais sérias”, como os romances históricos Micah Clarke (1889) e The White Company (1891). O primeiro, um grande sucesso. Doyle acabou abandonando a medicina para seguir definitivamente a carreira literária.