– Uma noite, ao voltar do trabalho, Gennaro trouxe um compatriota com ele. Chamava-se Gorgiano e também viera de Posilippo. Era um homem enorme, como vocês mesmos viram pelo cadáver. Ele era enorme não apenas no tamanho, mas tudo nele era grotesco, gigantesco, aterrorizante. A voz parecia um trovão dentro de nossa casa pequena. Mal havia espaço para seus braços e gestos enormes quando falava. Tudo nele era exagerado e monstruoso, suas idéias, emoções e paixões. Ele falava, ou melhor, rugia, com tamanha energia que as outras pessoas só conseguiam ficar sentadas ouvindo, amedrontadas diante daquela poderosa torrente de palavras. Os olhos fixavam-se como fogo numa pessoa e a dominavam. Era um homem terrível e extraordinário ao mesmo tempo. Graças a Deus, está morto! Ele voltou muitas vezes à nossa casa. Mas eu percebia que Gennaro ficava infeliz na presença dele, assim como eu. Meu pobre marido ficava sentado, pálido e quieto, ouvindo infindáveis discursos sobre questões políticas e sociais, o prato favorito de nosso visitante. Gennaro não dizia nada, mas eu, que o conhecia bem, via angústia em seu rosto, coisa que nunca vira antes. No início achei que se tratava de aversão. Mas, pouco a pouco, compreendi que era algo mais do que isso. Era medo – um medo profundo, secreto, imenso. Naquela noite – na noite em que percebi o medo dele – eu o abracei e implorei, pelo amor que tinha por mim e por tudo o que lhe era caro, que não me escondesse nada e me dissesse por que razão aquele homem imenso tinha tanto domínio sobre ele. Gennaro me contou e meu coração ficou gelado enquanto eu ouvia. Meu pobre Gennaro, na sua juventude livre e ousada, quando o mundo inteiro parecia estar contra ele, e quase enlouqueceu por causa das injustiças da vida, ele se filiara a uma sociedade napolitana, o Círculo Vermelho, aliada dos antigos Carbonários. Os juramentos e segredos dessa irmandade eram terríveis, mas, depois de entrar, não era mais possível escapar. Quando nós fugimos para a América, Gennaro pensou que tinha se livrado dela para sempre. Imagine o seu horror, certa noite, ao encontrar-se na rua com o homem que o iniciara em Nápoles, o gigante Gorgiano, um homem que recebera o apelido de “Morte”, no sul da Itália, porque tinha tantas mortes nas costas! Ele fora para Nova York fugindo da polícia italiana, e já havia instalado uma filial da terrível sociedade no novo país. Gennaro contou-me tudo isso e mostrou-me uma carta, que recebera naquele dia, com um círculo vermelho desenhado no alto, informando que haveria uma reunião num determinado dia e que a presença dele não era apenas solicitada, mas exigida mesmo.
Isso já era bastante ruim, mas o pior ainda estava por vir. Eu tinha notado que, quando Gorgiano vinha à nossa casa, o que ele fazia com freqüência, à noite, conversava muito comigo; e mesmo quando suas palavras eram dirigidas a Gennaro, seus olhos terríveis, brilhantes e selvagens estavam sempre fixos em mim.
Uma noite, ele se revelou. Eu havia despertado nele aquilo que ele chamava de “amor” – amor de um selvagem, de um bruto. Gennaro ainda não tinha chegado quando ele entrou. Avançou e me enlaçou nos braços fortes, apertou-me como um urso, me cobriu de beijos e me implorou para ir com ele. Eu estava lutando e gritando quando Gennaro entrou e o atacou. Gorgiano o deixou sem sentidos
e fugiu dali, e nunca mais voltou. Naquela noite havíamos feito um inimigo mortal.
Alguns dias depois houve a reunião. Gennaro voltou com uma expressão que me dizia que algo terrível tinha acontecido. Era pior do que podíamos imaginar. Os fundos da sociedade eram obtidos por meio de chantagem contra italianos ricos, e ameaças de violência, se eles se recusassem a dar dinheiro. Castalotte, nosso benfeitor e amigo, fora abordado e se recusara a se submeter às ameaças, levando tudo ao conhecimento das autoridades. Decidiram, então, que ele teria de ser transformado num exemplo para evitar que outros também se rebelassem. Na reunião ficou decidido que ele e a casa deveriam ir pelos ares, com uso de dinamite. Houve sorteio para ver quem executaria o plano. Gennaro viu o rosto cruel do nosso inimigo sorrindo para ele quando enfiou a mão no vaso, na hora do sorteio. Não há dúvida de que a coisa tinha sido, de algum modo, preparada antes, porque o disco fatal, com o círculo vermelho, saiu na sua mão – o mandado do crime. Ele tinha de matar seu melhor amigo, ou então ficaria exposto, e eu também, à vingança de seus camaradas. Fazia parte daquele sistema infernal punir aqueles que eles temiam ou odiavam, não só as próprias pessoas como também suas famílias; sabendo disso, Gennaro ficou quase louco de apreensão. Durante aquela noite inteira ficamos sentados, abraçados, cada um dando força ao outro para enfrentar as dificuldades que tínhamos pela frente.