- Tira-se mais de um desses pequenos mendigos do que de uma dúzia de policiais - observou Holmes.
- A simples imagem de alguém que aparente ser um policial é o suficiente para selar os lábios das pessoas. Esses garotos, porém, vão a toda parte e ouvem de tudo. São muito vivos, também, e tudo o que precisam é de organização.
- Você os está empregando para que trabalhem no caso da Brixton Road?
- Sim, há um ponto do qual preciso me certificar.
É apenas uma questão de tempo. Olhe! Em compensação, vamos ouvir novidades agora. Lá vem Gregson, descendo a rua com a beatitude gravada em cada traço de seu rosto. Vem para cá, tenho certeza. Sim, está parando. Aqui está!
Houve um forte toque da campainha e, em poucos segundos, o detetive loiro subia as escadas, três degraus a cada passo, parando em nossa sala.
- Meu caro amigo - exclamou, sacudindo a mão inerte de Holmes. - Dê-me os parabéns, tornei o caso todo tão claro quanto o dia.
Uma sombra de ansiedade pareceu toldar o expressivo rosto de meu companheiro.
- Quer dizer que estão na pista certa? - perguntou.
- Pista certa? ! Nós temos o homem atrás das grades!
- E quem é?
- Arthur Charpentier, subtenente da Marinha de Sua Majestade - exclamou Gregson pomposamente, esfregando as mãos gordas e inflando o peito.
Sherlock Holmes soltou um suspiro de alívio e descontraiu-se num sorriso.
- Sente-se e experimente um desses charutos - disse. - Estamos ansiosos para saber como resolveu tudo. Aceita uísque e água?
- Acho que sim - respondeu o detetive. – Os grandes esforços dos últimos dois dias me deixaram exausto. Não tanto pelo esforço físico, compreenda, mas pela tensão mental. O senhor saberá avaliar, Sr. Holmes, porque ambos trabalhamos com o cérebro.
- O senhor me honra muito - disse Holmes com gravidade. - Conte como chegou a uma conclusão tão gratificante.
O detetive sentou-se na poltrona e, de forma complacente, soltava baforadas de charuto. De repente, deu uma palmada na coxa e caiu na risada.
- O divertido nisso tudo - disse - é que o bobo do Lestrade, que se considera tão esperto, foi atrás da pista errada. Está buscando o secretário Stangerson, que tem tanto a ver com o caso quanto um nenê que ainda não nasceu. Não duvido de que até já o tenha prendido.
A idéia o divertia tanto, que ele riu até se sufocar.
- E como conseguiu a pista?
- Bem, eu vou contar tudo sobre isso. Mas é claro, Dr. Watson, que isso deve ficar estrïtamente entre nós. A primeira dificuldade que tive de enfrentar foi descobrir os antecedentes do americano. Outro teria esperado até que seus anúncios fossem respondidos ou que alguém se adiantasse dando informações espontaneamente. Esse, porém, não é o modo de Tobias Gregson trabalhar. Lembra do chapéu ao lado do homem morto?
- Sim - disse Holmes. - Fabricação de John Underwood & Sons, da Camberwell Road, 129.
Gregson murchou nesse momento.
- Não pensei que tivesse reparado nisso - disse.
- Esteve lá?
- Não.
- Ah! - disse Gregson, aliviado. - Não deveria ter negligenciado uma oportunidade, por menor que fosse.
- Para um grande cérebro, nada é pequeno - destacou Holmes em tom sentencioso.
- Bem, fui até Underwood e perguntei se haviam vendido um chapéu daquele tamanho e com aquelas características. Ele olhou em seus livros e encontrou logo o registro. Havia mandado o chapéu ao Sr. Drebber, que morava na Pensão Charpentier, em Torquay Terrace. Foi assim que consegui o endereço.
- Esperto... muito esperto! - murmurou Sherlock Holmes.
- Em seguida, visitei madame Charpentier - continuou o detetive. - Encontrei-a muito pálida e aflita.
Sua filha estava na sala também. Uma graça de menina! Tinha os olhos vermelhos e seus lábios tremiam enquanto eu falava com ela. Isso não me escapou. Comecei a desconfiar. O senhor conhece a sensação, Sr. Holmes, quando sentimos estar na pista certa: um arrepio nos nervos. “Já soube da morte misteriosa de seu último hóspede, Sr. Enoch J. Drebber, de Cleveland?”, perguntei. A mãe moveu a cabeça. Parecia não ser capaz de dizer uma só palavra, A filha irrompeu em lágrimas. Mais do que nunca, senti que sabiam algo sobre o assunto.
“- A que horas o Sr. Drebber deixou sua casa para pegar o trem?”
“- Às oito horas - disse, engolindo em seco para controlar a agitação. - Seu secretário, Sr. Stangerson, disse que havia dois trens: um às nove e quinze e outro às onze horas. EIe pretendia pegar o primeiro.”
“- E foi a última vez que o viu?”
- Uma mudança terrível ocorreu no rosto da mulher - prosseguiu o detetive - quando fiz essa pergunta. Ela ficou lívida. Passaram-se alguns segundos antes que ela pudesse pronunciar uma única palavra - “sim” -, e numa voz rouca e pouco natural. Houve silêncio por um momento e, então, a filha falou com voz clara e serena.
“- Nada de bom vem da mentira, mãe. Vamos ser sinceras com o cavalheiro. Nós vimos, sim, o Sr. Drebber depois disso.”
“- Deus a perdoe - disse madame Charpentier, jogando os braços para cima e afundando na cadeira.
- Você assassinou seu irmão.”