Читаем Livro do Desassossego полностью

Infantil de absurdo, revivo a minha meninice, e brinco com as ideias das coisas como com soldados de chumbo, com os quais eu, quando menino, fazia coisas que embirravam com a ideia de soldado.

Ébrio de erros, perco-me por momentos de sentir-me viver.

***

—      Naufrágios? Não, nunca tive nenhum. Mas tenho a impressão de que todas as minhas viagens naufraguei, estando a minha salvação escondida em inconsciências intervalantes.

—      Sonhos vagos, luzes confusas, paisagens perplexas — eis o que me resta’ na alma de tanto que viajei.

Tenho a impressão de que conheci horas de todas as cores, amores de todos os sabores, ânsias de todos os tamanhos. Desmedi-me pela vida fora e nunca me bastei nem me sonhei bastando-me.

—      Preciso explicar-lhe que viajei realmente. Mas tudo me sabe a constar -me que viajei, mas não vivi. Levei de um lado para o outro, de norte para sul.., de leste para oeste, o cansaço de ter tido um passado, o tédio  de viver um presente, e o desassossego  de ter que ter um futuro. Mas tanto me esforço que fico todo no presente, matando dentro de mim o passado e o futuro.

—      Passeei pelas margens dos rios cujo nome me encontrei ignorando. Às mesas dos cafés de cidades visitadas descobri-me a perceber que tudo me sabia a sonho, a vago. Cheguei a ter às vezes a dúvida se não continuava sentado à mesa da nossa casa antiga, imóvel e deslumbrado por sonhos! Não lhe posso afirmar que isso não aconteça, que eu não esteja lá agora ainda, que tudo isto, incluindo esta conversa consigo, não seja falso e suposto. O senhor quem é? Dá-se o facto ainda absurdo de não o poder explicar...

***

Não desembarcar pois não tem cais onde se desembarque. Nunca chegar implica não chegar nunca.

Via Láctea

... Com meneios de frase de uma espiritualidade venenosa...

... Rituais de púrpura rota, cerimoniais misteriosos de ritos contemporâneos de ninguém’.

... Sequestradas sensações sentidas noutro corpo que o físico, mas corpo e físico ao seu modo, intervalando subtilezas entre complexo e simples...

Lagoas onde paira, pelúcida, uma intuição de ouro fosco, tenuemente despida de se ter alguma vez realizado, e sem dúvida por coleantes requintes, lírio entre mãos muito brancas...

... Pactos entre o torpor e a angústia, verde-negros, tépidos à vista, cansados entre sentinelas de tédio...

... Nácar de inúteis consequências, alabastro de frequentes macerações — ouro, roxo e orlas os entretenimentos com ocasos, mas não barcos para melhores margens, nem pontes para crepúsculos maiores...

... Nem mesmo à beira da ideia de tanques, de muitos tanques, longínquos através de choupos, ou ciprestes talvez, segundo as sílabas de sentida com que a hora pronunciava o seu nome...

Por isso janelas abertas sobre cais, contínuo marulhar contra docas, séquito confuso como opalas, louco e absorto, entre o que amarantos e terebintos escrevem a insónias de entendimento nos muros obscuros de poder ouvir...

... Fios de prata rara, nexos de púrpura desfiada, sob tílias sentimentos inúteis, e por áleas onde buxos calam, pares antigos, leques súbitos, gestos vagos, e melhores jardins sem dúvida esperam o cansaço plácido de não mais que áleas e alamedas...

Quincôncios, caramanchões, cavernas de artifício, canteiros feitos, repuxos, toda a arte ficada de mestres mortos que tinham, entre duelos íntimos de insatisfeito com evidente, decidido procissões de coisas para sonhos pelas ruas estreitas das aldeias antigas das sensações...

Toadas a mármore em longes palácios, reminiscências pondo mãos sobre as nossas, olhares casuais de indecisões ocasos em céus fatídicos, anoitecendo em estrelas sobre silêncios de impérios que decaem...

Reduzir a sensação a uma ciência, fazer da análise psicológica um método preciso como um instrumento de microscópio  — pretensão que ocupa, sede calma, o nexo de vontade da minha vida...

E entre a sensação e a consciência dela que se passam todas as grandes tragédias da minha vida. Nessa região indeterminada, sombria, de florestas e sons de água toda, neutral até ao ruído das nossas guerras, decorre aquele meu ser cuja visão em vão procuro...

Jazo a minha vida. (As minhas sensações são um epitáfio, por de mais extenso sobre a minha vida morta.) Aconteço-me a morte e ocaso. O mais que posso esculpir é sepulcro meu a beleza interior.

Os portões do meu afastamento abrangem para parques de infinito, mas ninguém passa por eles, nem no meu sonho — mas abertos sempre para o inútil e de ferro eternamente para o falso...

Desfolho apoteoses nos jardins das pompas interiores e entre buxos de sonho piso, com uma sonoridade dura, as áleas que conduzem a Confuso.

Acampei Impérios no Confuso, à beira de silêncios, na guerra fulva em que acabará o Exato.

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