Foi por isto, senhor juiz e senhores jurados que eu matei o meu marido.
F'abulas para as Nac~oes Jovens
O segredo de Roma
Quando C'esar chegou tarde ao fim do campo de………, ergueram r'apidos perante ele a cabeca de Pompeu. C'esar abriu em l'agrimas, e os que estavam pasmaram. O que erguera a cabeca baixou-a um pouco; estava at'onito, e al'em disso ela pesava, porque ele a erguera a braco largo.
— Assim, que vale uma vit'oria? — perguntou C'esar.
— 'E certo — respondeu o que o seguia, pois n~ao sabia que dizer.
E C'esar continuou: «Foi meu amigo, meu companheiro, era romano e soldado…»
E depois disse: «Cheguei tarde…»
O companheiro esbocou um gesto sem nada, e C'esar voltou as costas curvas de dor.
«Cheguei tarde», repetiu. «Quer'ia t^e-lo eu matado com minhas m~aos».
Cuidado com as l'agrimas, quando s~ao estadistas os que as choram.
O Saraiva ou o Saraiva e as meninas
Havia em tempos, no Porto, um rapaz estudante, vindo das prov'incias do Norte, chamado Saraiva. Este rapaz tornara-se not'avel entre os companheiros pela certeza da pr'opria perspic'acia e a sua igual certeza de seus talentos de declamador. A cada frase, por simples que fosse, que lhe parecesse envolver uma mentira, tomava a mentira como dirigida inutilmente contra a rocha da sua esperteza; e, levando o indicador direito `a p'alpebra do olho direito, descia-a, no gesto dos 'alacres, e dizia ao interlocutor, em aviso e ameaca alegre: «Eu sou o Saraiva!» E o outro ficava sabendo que o n~ao conseguir'a enganar. O indicador erguia-se livre.
Esta ci^encia certa, considerada pelos outros rapazes como rid'icula em si mesma, levou-os a combinar, servindose da preocupac~ao que o Saraiva tinha de declamador, uma cena c'omica, destinada a, de vez, p^or o Saraiva em salmoura social. Sabendo o horror do rid'iculo que estava latente naquela constante preocupac~ao de que n~ao era enganado, combinaram com v'arias raparigas das suas relac~oes, de boas fam'ilias e condic~ao decent'issima, uma sess~ao em casa dos pais de umas d'elas, para a qual convidaram o Saraiva para declamar. E estava combinado que, apresentado o Saraiva e convidado a mostrar seus dotes de declamador, eles fossem, por fim, reconhecidos com uma gargalhada geral. Desta, fixaram bem, o Saraiva se n~ao escaparia, e ficariam pagos de tanta irritac~ao de certeza.
Expuseram ao Saraiva que havia v'arias senhoras que gostariam de o ouvir declamar, pois lhes constara o que valia na mat'eria, e com ele estabeleceram que o apresentariam em casa dessas senhoras, podendo ele aparecer em tal noite, e a tais horas.
Grato, o Saraiva acedeu e a combinac~ao ficou feita. Sucede, p'orem, que, chegado a casa, comegou a meditar no convite, e, desde logo, a desconfiar dele. «Ali h'a coisa», pensou o Saraiva. E, sozinho, diante do espelho, levou o indicador direito ao olho direito, no gesto baixante da esperteza, «Mas eu sou o Saraiva!», apontou para si mesmo.
E meditou, «Que diabo ser'a a partida?». N~ao tardou que descobrisse. Tratava-se de encher uma casa qualquer de uma quantidade de meretrizes dispostas com apar^encia de senhoras e meninas, e de o convidar (a ele Saraiva!) para ir fazer diante d'elas o papel de recitador. Conclus~ao l'ogica, conclus~ao natural. E o Saraiva tomou mentalmente as suas precauc~oes.
Chegou a noite, e chegou o Saraiva. E, junto com os v'arios camaradas, foram dar `a casa onde estavam reunidas as senhoras todas que os esperavam. Para entrada e deslumbramento, os apresentantes, aberta s'ubitamente a porta da sala, que se revelou cheia de senhoras, apresentaram, «Minhas senhoras, o sr. Saraiva!», com o ar de quem apresenta um dos homens c'elebres do mundo.
Ent~ao o Saraiva, 'alacre, deu um pulo para o meio da sala, e bracos abertos, gritante e alegre, bradou para as senhoras todas: Eh, putedo!
E depois, voltando-se a rir para os apresentantes l'ividos, inclinou a cabeca e levou `a eterna p'alpebra direita o eterno indicador direito, «Voc^es esqueceram-se que eu sou o Saraiva»…
N~ao ser Saraiva.
Na d'uvida ser Saraiva, porque aqui o Saraiva foi o parvo e os outros 'e que ficaram atrapalhados.
Quando uma nac~ao er'e firmemente em si mesma, humilha os outros ainda quando se engana e 'e rid'icula. Coisa por cousa, mais vale ser Saraiva. Porque 'e preciso n~ao esquecer o resultado pr'atico de tudo isto. As raparigas ficaram insultadas, os rapazes ficaram envergonhados: quem ficou vencedor foi o Saraiva.
Eu, o doutor
Entrei uma tarde numa camisaria de onde gastava, com o fim imaginado de comprar uma gravata. O caixeiro que estava livre de fregu^es, e que h'a muito me conhecia, cumprimentou-me alegremente: «Boa tarde, senhor doutor».
«N~ao sou doutor», disse-lhe, e era a verdade. «Porque 'e que me julga doutor?»
«Ah, eu realmente julgava…», respondeu ele limpidamente.